quarta-feira, 20 de março de 2013

A penhora do Cristo-Rei e o beijo do cardeal



Ontem Belmiro de Azevedo disse que se não houvesse salários baixos, não haveria emprego. De imediato foi contrariado. Em particular, porque com salários baixos as pessoas pouco compram nas lojas do Sr. Sonae. E em geral, porque como alguns dizem, o consumo é que cria emprego, não os patrões (o que também não é linearmente verdade, mas não adianta entrar aqui em pormenores).

Em todo o caso, o que muito me admirou foi os patrões pedirem o aumento do ordenado mínimo. Não sei se a notícia era a mesma, porque desde há uns anos ver notícias na televisão, cá em casa, é coisa quase impossível a horas decentes, mas estava certamente no mesmo bloco temático.

Os patrões acham que o ordenado mínimo é curto. É mais do que curto, é miserável. Mas porque não o aumentam? É preciso o Estado aumentar o ordenado para os patrões o seguirem? Confesso que ver patrões queixarem-se que o Estado devia aumentar o ordenado mínimo foi dos episódios mais surreais dos últimos tempos.

E vai daí, fui ler a entrevista que Belmiro de Azevedo deu ao “Público” no dia 10 de março. Partilho agora estas pérolas, com destaque para o beijo do cardeal por o engenheiro ter evitado a penhora do Cristo-Rei. Também achei piada à sugestão de ler “O Mundo de Sofia” (da?) para ficar a saber tudo sobre filosofia e fé.


Revista 2 - É um homem católico?
Belmiro de Azevedo - Sou baptizado. Não fiz a segunda comunhão e agora vejo-me à rasca para rezar o terço. É o tal problema. Uma vez fui com a minha mulher a Coimbra quando morreu a irmã Lúcia e fui apanhado na fila e transformaram-me logo em crente. Não tenho nada contra. Esta história dos milagres não me incomoda nada. Quem acredita acredita.
Até há bem pouco tempo a Sonae era a única entidade a ter ganho uns milhões com o negócio em televisão?

... TVI?
De alguma maneira contratámos alguém, o José Eduardo Moniz [ex-director geral], que acabou por vir a ser, provavelmente, a pessoa mais importante da TVI dos últimos anos. Ele não tinha emprego. Conhecia-o de quando estudámos a entrada [da Sonae] na televisão. E, então surgiu aquela hipótese, pois a Igreja estava com alguns problemas.

Estamos em 1998 [aquisição e venda de créditos da TVI pela Sonae Tecnologias]?
Sim. Até levei um beijo na testa do cardeal-patriarca que estava no Centro Cultural de Belém. Fui ter com o João Salgueiro [presidente da CGD] para saber se a CGD ia executar a penhora que estava a garantir a dívida da Igreja. Sabem o que estava penhorado? O Cristo-Rei e o Santuário de Fátima. A Sonae assumiu a posição na TVI e assegurou que ia estudar uma solução que possibilitasse à CGD não fazer a penhora. As responsabilidades foram transferidas para nós. Estivemos lá mais ou menos seis meses. O Paes do Amaral arranjou o dinheiro, levantou-o e pagou tudo.

(…)
Como é que olha para a decisão de Bento XVI de resignar?
O Papa de quem mais gostei foi o João Paulo II. Sabe porquê? Porque era jogador de futebol. É outra louça. Uma vida frugal. Nesse aspecto senti-me mais próximo dele.

Compreende a decisão de Bento XVI?
Já devia ter feito há mais tempo. Uma vez, numa entrevista, na televisão, o bispo de Setúbal apertou-me: "Mas você tem ou não tem fé?" Respondi-lhe: "Se calhar a minha fé não é a sua definição de fé." Ter fé é diferente de se saber que o mundo vai ser diferente e que devo adaptar-me a essa mudança. Tenho fé de que o mundo vai ser sempre melhor. Agora, quem é o artista que está por detrás, quem fez o Universo... Devem ler o livro "O Mundo da Sofia" [Jostein Gaarder] e ficam a saber tudo sobre filosofia e sobre fé. A ideia de que existe um ser humano que concentra todos os poderes e insistir que um indivíduo, quando se sabe que não há nenhum corpo humano que não fique cada vez mais debilitado à passagem do tempo, deve ser Papa até ao fim, é uma coisa tola.

A Igreja deve adaptar-se aos novos tempos?
Há medida que a idade avança, até podemos ficar mais sábios, mas somos sábios mais ignorantes. Portanto, o Papa tomou a decisão correcta e a minha convicção é que daqui para a frente não voltará a haver cargos vitalícios. Foi esta, aliás, a decisão que tomei quando disse que não queria ter lugares executivos no grupo com mais de 70 anos. Vou fazer outras coisas que podem ser mais úteis.

10 comentários:

PVG disse...

Estonteante. Esta coisa de responder sempre à pergunta com a resposta a outra pergunta que não foi feita... Vivemos num mundo em que todos somos obrigados a ter opinião sobre tudo e parece que mancha a fotografia dizer que não se tem opinião sobre algo. Seria o mais sensato para o sr. Belmiro, tendo em conta as suas (in)opiniões sobre a Igreja.

Anónimo disse...

"Devem ler o livro "O Mundo da Sofia" [Jostein Gaarder] e ficam a saber tudo sobre filosofia e sobre fé. "

Genial.

Rui Jardim

Anónimo disse...

"Há medida que..." pois, pois...

Jorge Pires Ferreira disse...

Exatamente. "Há medida que". Saiu assim no papel. E "Mundo da Sofia".

Anónimo disse...

"Devem ler o livro "O Mundo da Sofia" [Jostein Gaarder] e ficam a saber tudo sobre filosofia e sobre fé". Melhor do que tal livro, só mesmo os do Tolentino Mendonça.

Anónimo disse...

Disse uma teóloga de Braga: «(os cristãos) são muitas vezes testemunhas de uma Igreja irreconhecível, dificilmente identificável com o Evangelho». Olha primeiro para ti e só depois aponta para os demais.

Anónimo disse...


Para se ter uma ideia abrangente sobre filosofia, nunca aconselharia esse tal "O Mundo de Sofia, mas sim "História Concisa da Filosofia" de Anthony Kenny.

Quanto a esse senhor é apenas um "católico não praticante". Ou seja, nada tem a ver com o catolicismo...

Miguel A.

Euro2cent disse...

> apenas um "católico não praticante". Ou seja, nada tem a ver com o catolicismo...

Não seja assim, camarada. Essa filosofia de "poucos mas bons" *verdadeiros* praticantes é boa para os comunistas e os protestantes.

É claro que o Belmiro, e inúmeros outros, "têm a ver". Os que não vão à missa sabem muito bem a que igreja è que não vão. E pode-se ausentar o católico da igreja, mas não se ausenta a igreja do católico.

(Acho que fiz o pleno dos lugares comuns. Vou ver se jejuo um bocado.)

Anónimo disse...

Cavaco Silva, Jardim Gonçalves, Belmiro de Azevedo... finis patrie!

Anónimo disse...

......a capacidade empresarial em contraste com o cinzentismo como pessoa impressiona-me.......
jacome

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...