quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Tertuliano: As mulheres, essas sem pneuma, querem agora fazer ações do Espírito?

Pão, só fazê-lo. Reparti-lo, nunca.

Este texto surge como resposta a um comentário de J.S. sobre a oposição dos Padres da Igreja ao sacerdócio ministerial das mulheres (nos comentários daqui). Em vez de escrevê-lo nos comentários, ponho-o no corpo principal do blogue (algo que farei mais vezes). Agora fala-se apenas de Tertuliano.

Temos então os Padres da Igreja e a condenação do sacerdócio feminino. Foi unânime, é certo. Tão unânime que a respeito disso têm surgido algumas teses, recentes, cujo valor seria interessante debater.

Uns, pró-mulheres (da apologética feminista), dizem:

- As heresias foram mais defensoras da mulher do que a Igreja oficial.

Outros, antimulheres (do conservadorismo antifeminista) dizem:

- As mulheres eram mais dadas a correntes heréticas, pelo que a Igreja teve que proibir as mulheres de ensinar (entre outras coisas).

Não vou dizer o autor de onde colhi isto, mas, com ele, e com a autora que aponta (Anne Jensen, uma católica convertida, filha de um Nobel, falecida em 2008), também as considero erróneas.

Mais interessante, na mesma linha, seria verificar nos movimentos chamados heréticos e que dão destaque às mulheres o que é causa de quê. Se o movimento é herético por dar relevo a mulheres ou dá relevo a mulheres por causa de ser herético ou coincidindo com o ser herético. Em alguns casos, a chamada heresia está precisamente em dar relevo (mais protagonismo) às mulheres.

Outro dado significativo é o facto de “desde sempre”, em “todo o lugar”, em “todas as circunstâncias” (as expressões são minhas, mas apontam para a retórica dos que dizem que as mulheres não podem nem poderão vir a ser ordenadas) a ordenação ser proibida. Isto quer dizer, pelo menos, que “desde sempre”, em “todo o lugar”, em “todas as circunstâncias” o problema tem sido posto, mesmo que teoricamente – ou seja, não é uma questão irrelevante, nunca está resolvida ou então a resposta é não satisfaz ou não é percebido e recebida como tal. E o facto de “desde sempre”, em “todo o lugar”, em “todas as circunstâncias” a resposta ser a mesma, o não (é mesmo? julgo que não, mas a oficialidade diz sim), não significa que a justificação dessa resposta seja a mesma. Pelo contrário. E na maior parte da história cristã está subjacente uma antropologia pouco recomendável (para hoje, claro), que, entre outros aspetos, é pouco bíblica.

O caso de Tertuliano

= É curioso que um opositor à ordenação das mulheres me cite Tertuliano. Curioso porque, num outro debate (o de diabo/demónio) com a mesma pessoa, quando citei alguns autores, tentou desconsiderá-los porque em algum momento tinham sido admoestados – ou algo do género – pela autoridade eclesiástica. Pois Tertuliano, em alguns aspetos, foi considerado não ortodoxo. Mas, obviamente, defendo que mesmo os não-ortodoxos podem ser chamados ao debate. E no caso de Tertuliano, se é invocado aqui por um opositor à ordenação, espero que não seja esquecido quando o assunto em debate for o divórcio. É que Tertuliano (e não é por isto que era herético) defendeu o recasamento cristão depois do divórcio. =

Tertuliano opõe-se a que as mulheres ensinem, debatam, façam exorcismos, curas, oferecer (supõe-se que o Pão da Eucaristia)…

O que Tertuliano terá dito, por outro lado, sobre a sexualidade e a mulher? Assim de repente (ou seja, sem grandes pesquisas), leio o que ele escreveu sobre o papel da mulher na reprodução: “Ela não dá nem esperma, nem pneuma, nem matéria para o embrião, mas apenas sem dúvida o seu alimento, ao passo que o homem produz pneuma e matéria”.

E ele até explica com algum pormenor: “Enfim, na própria febre do prazer extremo, pelo qual é emitido o suco gerador, não sentimos que também se escapa de nós algo da nossa alma, ao ponto de contrairmos langor e debilidade, ao mesmo tempo que a vista diminui? Eis a substância animada, a qual vem direta da destilação da alma, como aquele suco é a semente corporal saída de um desprendimento da carne”. Ainda faltava muito para Hildegarda, a nova doutora da Igreja, descrever o orgasmo feminino.

Resumo: O homem sozinho faz tudo.

Se não há aqui uma desconsideração da mulher e conceções antropológicas insuficientes (naturalmente baseadas no conhecimento disponível na época), o que há? A mulher, que logo na reprodução tinha um papel passivo, de mero depósito, e que, como sabemos, era considerada “algo que não chegou a ser homem”, podia ensinar, ser líder, debater, fazer exorcismos, curas, oferecer a Eucaristia? De certo que a coisa nunca iria ficar bem feita. Como é que essas que não são fonte de “pneuma” querem presidir ou ser ministras para a ação do Espírito (pneuma)? – podia bem ser este o raciocínio de Tertuliano.

19 comentários:

Anónimo disse...

O tema do sacerdócio das mulheres é, sem sombra de dúvida, quente. Por um lado a proibição inequívoca, por outro os argumentos a favor. Sem sombra para dúvida, homem e mulher são seres semelhantes. Cada um com particularidades, mas semelhantes em direitos e deveres. Se assim é, porquê continuar a tratar as mulheres como seres inferiores? Ao nível intelectual, ao que parece possuem as mesmas capacidades, pois ambos desenvolvem a inteligência, existem até mais mulheres nas universidades do que homens. Ao nível sexual, se um dá o "líquido" o outro dá o "substrato", além disso é visível, no homem e na mulher o prazer sentido fisicamente. Quanto à geração o contributo da mulher é mais delicado pois é nela que se concentra o maior contributo para a vida que pode carregar no seu ventre.
Dizer que uma mulher não pode "subir ao altar" porque foi sempre assim ou porque é impura ou incapaz, não me parece plausível. O único efeito que uma mulher pode ter sobre um homem, notório e, talvez, perceptível por terceiros pode ser controlável ao nível mental. No altar isso não acontece. Uma mulher que possa subir ao altar possuirá, sem dúvida, moral elevada. Em termos teológicos o debate é aceso, no entanto, tal como se tem vindo a verificar ao nível social, o poder talvez seja o maior motivo para a discórdia e não aceitação. Veja-se que apesar de existirem mais mulheres na universidade, na vida ativa continuam em números muito abaixo e, pior do que isso, para as mesmas funções, a receberem salários inferiores ao dos homens.
Se em tempos distantes olhariam para a mulher como algo assustador, impuro, talvez por ter a capacidade de gerar filhos sem que os pensadores da época conseguissem explicar o fenómeno, ou por conseguir "certos movimentos corporais" sem lhes tocar. O facto, é que ao longo dos tempos apesar da mãe de todos serem mulheres, muitos homens insistem em denegrir o seu nome e o seu papel na sociedade. É pena. Cristo veio para todos não estabelecendo hierarquias nem caminhos específicos a seguir. A Igreja é constituída por homens e mulheres que deveriam ser vistos como semelhantes e não como diferentes. Em parte alguma dos escritos podemos identificar que o Espírito apenas fala aos homens.

RS

Anónimo disse...

Jorge, não me parece elegante criticar quem recusa a ordenação do sacerdócio feminino por causa de um disparate de Tertuliano, não acha? Ninguém, nos dias de hoje, fundamenta aquela recusa no que diz este ou aquele Padre da Igreja, mas, creio que isso está claro, na própria decisão de Jesus. O resto é apenas um testemunho histórico de uma continuidade nem sempre esclarecida. Será que o que o Jorge quer dizer é que hoje não se altera tal procedimento devido a uma continuidade indevidamente justificada? O critério da continuidade não é essencial (nunca o foi na história da Igreja), mas meramente acessório. A questão, e creio que um anónimo deixou isto assaz claro noutro post, é saber:

a) reservou Jesus, de um modo livre (ou seja, que poderia ter sido de outro modo), para os varões algumas missões como, por exemplo, as que hoje entendemos como sacerdotais?

b) caso as tenha reservado, foi uma reserva meramente temporária, ou pensou ele que deveria ser perene?

c) caso tenha reservado de um modo perene, podemos, apenas/também porque o mundo actual (que está sempre tão preocupado com o bem da Igreja) assim o exige, inverter tal determinação?

Fernando d'Costa

Anónimo disse...

Algo interessante para quem vive por cá no Norte:

Descobrir a vontade de Deus: uma prática pagã ou Cristã?

estarei por Espanha, mas no ano passado gostei muito de um curso dado pela mesma pessoa. Tentei averiguar nas Paulinas e, lamentavelmente, não tem nada publicado.

Fernando d'Costa

Jorge Pires Ferreira disse...

Obrigado, pela informação.

Tenho imensa pena de ter a terça de manhã ocupadíssima. Caso contrário, até iria à Foz, que é sempre uma zona arejada.

Jorge Pires Ferreira disse...

Fernando,

Eu não critico recusa a ordenação do sacerdócio feminino por causa de um "disparate" de Tertuliano (que para a época não era disparate). O texto surge nesta sequência: o João Silveira pediu-me que comentasse o que os Padres da Igreja disseram sobre a questão, dando-me um link. Eu disse que isso era demasiado (porque são muitos os autores), que fosse mais concreto. E ele apontou textos de Tertuliano (é irrelevante se este autor é ou não “Padre da Igreja”), Agostinho e uns concílios. Comecei por comentar Tertuliano e penso dizer umas coisas sobre Agostinho.

O meu ponto é este: No geral, vendo o que escreveram sobre a mulher e a sexualidade, apercebemo-nos de conceções antropológicas que realçam um abismo entre o homem e a mulher. E a inferioridade pesa sempre para o lado da mulher.

Não tomo a parte pelo todo. Mas vendo em concreto cada uma das partes, podemos ficar com uma ideia do que pensavam sobre a mulher. Tertuliano é só uma pequeníssima parte.

Já as três perguntas que deixa são relevantes, sem dúvida. Dou-lhe as minhas respostas (baseadas no que tenho lido, e com uma breves justificações por agora).

a) Não. Não reservou missões para os varões enquanto tal.
b) Não se põe o caso
c) Não se põe o caso.


Para responder “Não” a a), pensando que pergunta o pergunta, julgo que é necessário notar a ação de Jesus em relação às mulheres e o que os outros pensavam e diziam no seu tempo, é necessário distinguir entre Doze (todos homens) e apóstolos, é preciso ver o que são e fazem os apóstolos e o que são e fazem os discípulos, é preciso notar como são as ordens de Jesus para o desenvolvimento do Reino (os ministérios, diríamos), é necessário olhar para a prática da igreja neotestamentária e estudar a génese dos ministérios ordenados nos primeiros séculos.

De resto, entendo a liberdade de Jesus como soberana, mas contextualizada, como pessoa histórica que foi. Considero patente no Novo Testamento que Jesus queria uma comunidade de irmãos e irmãs em claro contraste com as estruturas patriarcais de então. Falo de comunidade e prescindo aqui da palavra Igreja, porque, ainda que apareça em Mateus, sabemos da complicação que tem sido saber se Jesus queria mesmo uma Igreja diferente da fé a que Jesus pertenceu. O que interessa é que os seus seguidores quiseram – e por isso ela existe.

Porém, quem defende que as mulheres não podem ser ordenadas, deve dizer como é que se responde “Sim” a a), ainda que presuma eu que a resposta seja: “Jesus escolheu Doze e eram todos homens”. Reformulo a sua pergunta:

- Onde (em que passagens dos evangelhos ou do Novo Testamento) reservou Jesus, de um modo livre (ou seja, que poderia ter sido de outro modo), para os varões algumas missões como, por exemplo, as que hoje entendemos como sacerdotais?

- Que missões são essas (caso existam)?

- Como se dá a ligação entre essas missões e as que hoje entendemos como sacerdotais?

- E naturalmente gostaria de saber a resposta à pergunta b) (perenidade da reserva).

Quanto a c), prescindo, se for provada a perenidade de uma determinação de Jesus. Creio que Jesus é o Cristo.

Anónimo disse...

Caro Jorge,

Agrada-me saber que gosta de zonas arejadas. Vindo de alguém que me parece ser especialista no que é ser arejado -- pois de Mira, não? quem é que referiu isso? -- as pessoas da Foz devem estar felicíssimas com as suas palavras. Cá em Santo Tirso não há nada disso.

As minhas respostas são assaz pouco importantes. Mas, sim, respondo:

a) sim, há passagens bíblicas me dão a entender que Jesus agiu, e podia não ter agido, de modo a só ter transmitido encargos "sacerdotais" a varões;
b) penso que é perene; penso que é consequência de uma justa compreensão da sua missão de mediação;
c) não.

Mas não tenho isto ainda muito elaborado. E o Jorge, vê-se bem, percebe muito mais disto do que eu. De qualquer modo, o meio da transmissão que me interroga é o que a Igreja considera como tradicional. Nada de original nisso. Qualquer livro que verse sobre o mesmo explicará isso melhor do que eu.

Um abraço,

Fernando d'Costa

Jorge Pires Ferreira disse...

Fernando,
não percebi a referência a Mira, boa terra para fazer piqueniques, mas nem no meu distrito fica, sequer.

Quanto a Santo Tirso, é onde mora um dos meus melhores amigos. Casou-se lá, portanto deve ser boa terra!

A Foz é arejada porque fica ao pé do mar. Quem não gosta de passear na zona e perder-se numas das esplanadas junto ao mar?

Em relação à questão, gostava de saber quais as "passagens bíblicas me dão a entender que Jesus agiu, e podia não ter agido, de modo a só ter transmitido encargos «sacerdotais» a varões". Sei que existe esse entendimento, mas as passagens variam um pouco consoante quem o defende e depois acabam por dizer, no limite, que Jesus é varão - geralmente esquecendo que é o homem e a mulher que realizam a "imagem" de Deus desde a primeira página da Bíblia (o "proto-evangelho").

Repare que, na realidade, considero que há um argumento para não ordenar mulheres - só que não tem a ver com Jesus.

A Igreja diz que não ordena porque "não pode" ("não se sente autorizada" etc. etc.). Podia dizer simplesmente isto: Não ordena porque não quer (talvez porque ainda não tenha chegado a hora ou algo do género).

Anónimo disse...

Ó Jorge, Jorge...

a Igreja diz "não posso", mas não justifica isso como um "não quero", mas antes com um "pois Jesus deixou isso desse modo". Ou acha que está, como disse alguém, a disfarçar (e mal) esse "não quero" com tal "Jesus deixou isso desse modo"?

Fernando: a que livros se refere?

Jorge Pires Ferreira disse...

A Igreja diz "não posso" (porque Jesus etc. etc.)e eu aceitaria melhor se dissesse "não quero" (esperando que um dia venha a querer).

Por outro lado, vou entendendo o "não posso" (porque Jesus etc. etc.) como um "nós não conseguimos ver como". No dia em que conseguir(em) ver como, a coisa talvez se altere e deixe de haver o "não posso". No fundo, como alguns dizem, o "não posso" será muito porque "não quero". E eu aceito que a Igreja diga que "não quer" mais depressa do que que "não pode".

Talvez haja um disfarce inconsciente.

Acho alguma piada a retórica "não podemos".Só faltava dizer: "Nós até queremos, mas não podemos porque..."

Por outro lado, note-se que nem todos na Igreja pensam assim. A Igreja é muito grande. O cardeal-patriarca disse o que pensava e a seguir teve de desdizer-se. Mas o caminho vai-se fazendo.

Anónimo disse...

Ah... então o Jorge reduz tudo isto a uma má-vontade da Igreja. Não a uma questão bíblico-teológica. Não acha que as manifestações do inconsciente estão mais do lado daqueles que defendem a ordenação das mulheres? É que é precisamente isso que eu acho. E de que maneira. Até ficaria corado se visse o que eu vejo nas suas palavras. Mas é o que dá ser psicólogo.

O patriarca teve que desdizer-se pois não tinha dedicado tempo a um estudo sistemático da questão. Se tivesse, não tinha dito o que disse. Sabe, Jorge, é que opinar a partir de um qualquer almanaque da Internet não basta. Mas sou totalmente a favor que se escrevam estudos teológicos a afirmar o contrário. Aceita esse repto, Jorge? Quer escrever um texto nessa linha e submetê-lo (não a opinadores de café como os que por aqui aparecem: Maria, HD, Fernando, João, etc.) à consideração de teólogos como você? Ande lá: não fique atrás do que pode fazer. Saia da sua colmeia confortável e vá polinizar as pobres flores teológicas da Igreja carentes da pujança das suas teses teológicas. Força Jorge! Jorge! Jorge! Jorge!

Jorge Pires Ferreira disse...

Caro anónimo, não me revejo na afirmação da redução de tudo isto a uma má-vontade da Igreja. Diria a uma vontade. Mas não redução. E é uma interpretação minha. Sei que não é o que dizem os documentos. Os documentos nunca falam de uma vontade, falam de um poder, ou melhor, de uma ausência de poder para fazer diferente do que Jesus fez. Ora, eu vejo (como se eu visse alguma coisa e não me servisse do que os outros têm escrito sobre o assunto) que Jesus fez bem mais em relação às mulheres do que o que é habitual pensar. E não vejo aquela perenidade da atribuição de certas funções exclusivamente a homens –varões. Recebendo o que Jesus fez, tenho dificuldade em concordar com o que dizem os documentos que proíbem (ou dizem que é im-possível) a ordenação de mulheres.

Um sinal de que há uma vontade eclesial, ainda que não assumida, é que no processo de escolha dos bispos, os que têm a missão de ensinar, Magistério, faz parte a questão de se alguma vez se pronunciaram a favor da ordenação das mulheres. (Assumo que posso estar a cometer algum erro, mas se alguém sabe, que me emende). Só são aceites para bispos os que se opõem à ordenação de mulheres, ainda que um ou outro depois mude de opinião.

Mas com tantos comentários e comentários aos comentários, corro o risco de não ser preciso no que escrevo. É sempre assim. Mas as minhas palavras têm muito de opinião, de esforço de procura da verdade.

Diz-me que eu “Até ficaria corado se visse o que eu vejo nas suas palavras. Mas é o que dá ser psicólogo”. Peço-lhe que me diga o que vê, não aqui num comentário, mas para o mail jorgepiresf@gmail.com

Diz: “Sabe, Jorge, é que opinar a partir de um qualquer almanaque da Internet não basta”. Se se refere a mim, não acerta. As minhas opiniões nascem de estudo, de leitura de artigos e livros teológicos e da Bíblia. Admito que esteja a cometer muitos erros, mas tenho a liberdade para tal. O meu espaço está aberto ao público, mas só me obriga a mim.

Não aceito o seu repto de escrever um estudo teológico sobre a questão porque, mesmo antes de saber se teria engenho para tal, sei que não tenho tempo, pelo menos nesta fase da minha vida. O meu blogue é já o espaço onde vou escrevendo sobre estes e outros assuntos. A questão das mulheres, neste blogue, já tem longos textos. E há diversos estudos teológicos escritos sobre o assunto.

Não me sinto desconsiderado com a sua ironia final. Se temesse ser confrontado com outras opiniões ou ridicularizado por piadas, ou agia no anonimato – o que não aprecio – ou dedicava-me a outra atividade. E não me falta que fazer.

Anónimo disse...

Pois é Jorge...
cada palavra sua é uma pazada de terra sobre a sua posição...

mas então o Jorge acha que alguém que vai para o governo não tem que assinar um compromisso perante o Presidente da Republica e o Povo Português? Por outras palavras: quer isso dizer que há uma não assumida vontade negativa de proibir o que quer que seja, ou uma vontade positiva de afirmar algo? Mas agora o defender a posição da Igreja é algo de errado? As suas posições revelam um mundo do avesso só voltado para o lado que lhe convêm. Isso não é sério, Jorge. Isso não é nada sério. Sobretudo o insinuar, como tem vindo a fazer apesar das reviravoltas semânticas que te tentado fazer, que essa vontade deriva de ignorância teológica ou de misoginia. Isso é, em qualquer horizonte, feio. Muito Feio, Jorge. Sabe? É que é bem mais fácil deitar a baixo uma casa do que construí-la. Não acha?

Não se escude com a falta de tempo. Se já tem uma posição tão sólida e baseada em estudos, demorar-lhe-ia menos a escrever um tal artigo do que a colocar neste blog os posts de uma ou diuas semanas. Pare o blog por duas semanas, então, e faça esse favor à Igreja, caro Jorge. É que opinar às escondidas num blog semi-obscuro não lhe permite renovar a face da Igreja. Não lhe permite fazer caminho para abrir a nós o acesso ao sacerdócio. Ande lá, seja uma abelha exploradora no mundo mais amplo e não uma mera abelha-rainha na sua colmeia (sem ironia, claro).

E se não quer comentários anónimos, olhe, tem algo a fazer: tire essa opção nos "settings" do seu blog. Se não o faz e dá a possibilidade a que se jogue com as regras que escolheu, então meu caro, não se queixe. Além do mais, só não assino o meu nome pois andam por cá Marias a mais, se é que me percebe.

Fernando d'Costa: uma resposta à minha pergunta seria muito bem-vinda. Obrigado.

Anónimo disse...

Hahahaha...

só agora vi que alguém quer apresentar como base para a posição da Igreja um autor que foi por esta denegado nessas mesmas posições extremas. Brilhante! É o cúmulo da desonestidade. Brilhante, de facto, a sua capacidade de dizer: "Tertuliano diz isto (sem citar onde) sobre as mulheres, donde a Igreja hoje, que aceita Tertuliano, baseia a sua posição numa percepção comum ao que está por detrás desse dizer de Tertuliano". Brilhante desonestidade, de facto!

Hahahahahaha...

p.s.: espero que tenha gostado do meu perfil-psicológico retirado das suas palavras... não se assuste, sabe? é comum ser assim.

Unknown disse...

Cheguei demasiado tarde. Anónimo (anónima?): é impressionante como podemos estar em acordo em posições de fundo e tão em desacordo em quase tudo o mais. Enfim: é essa também uma das riquezas de uma Igreja como a Católica.

A que livros me refiro? A qualquer um que trate da relação entre a revelação e a tradição. Há tantos. Olhe: procure os de Pié-Ninot, que são relativamente acessíveis.

Jorge: não foi dito por aqui que vivia em Mira perto da casa de retiro de umas religiosas? Não foi por aqui referido isso? Tem a certeza? É que não vejo onde possa ter ficado com essa ideia. E já agora? De onde é? Parece que conhece bem a Foz. É de lá?

Um abraço,

Fernando d'Costa

Jorge Pires Ferreira disse...

Anónimo das 9:28,


Acho bem que haja compromissos, com certeza. Na concordo que se limite a possibilidade de debater a questão das mulheres e outras. E julgo que o Credo que proclamamos todos os domingos é um compromisso suficiente. E penso que os evangelhos estão acima de compromissos menores. Só o Evangelho dá sentido aos compromissos.


Eu não disse que não quero comentários anónimos. Dou essa possibilidade e só a usa quem quiser, pelos motivos que bem entender. Você lá terá os seus motivos. Ofereci-lhe o meu mail pessoal para me dizer o que bem entender na cara e em privado. Se não o faz, é consigo.

Quanto ao resto, não vou comentar.



Anónimo das 9:45,

Se não está a par da polémica, saiba que começou aqui
http://tribodejacob.blogspot.pt/2012/08/o-vaticano-e-um-antro-de.html

e os textos de Tertuliano referidos por um opositor à ordenação das mulheres foram tirados daqui
http://www.catholic.com/tracts/women-and-the-priesthood

Os textos que eu citei de Tertuliano aparecem em “O desejo e a ternura”, de Erich Fuchs, que cita outro autor (M. Spanneut) e o “De anima”.

Tertuliano não é a base para a posição da Igreja. Incrível como alguém pode afirmar ou pensar isso.

Tertuliano é só um exemplo. Um entre muitos. O meu ponto é: quando um autor antigo se pronuncia sobre os ministérios e as mulheres, vejamos o que ele diz sobre a sexualidade e sobre a relação homem/mulher. Podemos fazer isso sobre Tertuliano, Agostinho, Gregório(s), Crisóstomo, Ambrósio, etc. etc.

Eu não estudei a fundo Tertuliano. Considero é que, com instrumentos relativamente simples, podemos perceber a sua forma de pensar sobre esta questão.

Diz você:
«Brilhante, de facto, a sua capacidade de dizer: "Tertuliano diz isto (sem citar onde) sobre as mulheres, donde a Igreja hoje, que aceita Tertuliano, baseia a sua posição numa percepção comum ao que está por detrás desse dizer de Tertuliano".»

É uma interpretação sua com que não concordo e que considero indevida a partir das minhas palavras. O que escrevi sobre as conceções antropológicas de Tertuliano só serve para a época de Tertuliano (ou outras próximas). E se os seus pronunciamentos sobre a mulher têm por base certas conceções relativas, devemos considerá-los isso mesmo: próprios do seu tempo e do seu espaço.



Não sei a que se refere quando escreve: “Espero que tenha gostado do meu perfil-psicológico retirado das suas palavras”.




Fernando d’Costa:
Respondo-lhe por email.

João Silveira disse...

Jorge, eu não citei os Padres da Igreja só por citar, mas sim porque o Jorge levantou a suspeita que algures “nos primeiros tempos” as mulheres teriam sido sacerdotes na Igreja, e que por isso o Papa (e a Igreja) estavam enganados (ou a mentir) quando disseram que isso nunca tinha acontecido. O que aí mostrei foi textos dos “primeiros tempos”, onde todos consideram impossível que uma mulher seja sacerdote. Se fosse um facto “normal”, teria certamente os Padres da Igreja a descrever isso de maneira positiva, e nunca incluído nas “heresias”.

Que eles tinham uma visão da mulher diferente do que temos hoje em dia? Sem dúvida, mas essa não é a discussão. Por isso o seu post foi um tiro ao lado. O que o Jorge tem que provar é que seria normal uma mulher ser padre nesses tempos, o que é desmentido por todos esses documentos.

Que já havia heresias nesses tempo? Claro, e muitas! Havia gente a dizer que Jesus não era Deus e hoje em dia continuam a dizer. Será que é por isso que essa doutrina tem alguma validade?

Anónimo disse...

Pelo que observo da clara misoginia da igreja, pelo que vou lendo por aqui nalguns comentários, concluo que o único santo verdadeiro da igreja católica foi realmente o Papa Alexandre VI (espero que saibam quem foi). Tudo o resto é pura hipocrisia!

Jorge Pires Ferreira disse...

Respondendo ao último comentário de João Silveira…

Bom, há aqui uma série de confusões. E admito que nem sempre me exprimo bem.

Vejamos.
Não sei se usei a expressão “primeiros tempos” (julgo que não), mas há que distinguir nestes “primeiros tempos” duas coisas quanto ao que tenho escrito. Há os tempos de Jesus e dos seus seguidores imediatos, os tempos apostólicos, que são os tempos no Novo Testamento, e há a fase seguinte, também possível de dividir noutros períodos. O tempo dos Padres da Igreja não é tempo apostólico. E diria que não é “primeiros tempos”.

Jesus e Paulo estão nos tempos apostólicos, significativos e obrigatórios para o catolicismo- E, de facto, grande parte da discussão tem-se centrado neste tempo.

Tertuliano é doutro tempo. E Agostinho doutro ainda. Tal como Gelásio, o tal que proibiu ordenações de mulheres. E acrescentam que a proibiu a heréticos.

O João falou destes segundos tempos quando apontou os Concílios e os Padres da Igreja, e daqueles tempos apostólicos quando falou de São Paulo. Tenho defendido que há muita discussão sobre se as mulheres foram líderes de comunidades (e se presidiram à Eucaristia) nos tempos apostólicos (não nos outros, quando começaram a dizer que era heresia). Tanta que podemos ter diferentes pontos de vista e interpretações.

Estes dois tempos não se opõem, mas não devemos confundi-los. Há descontinuidade e grande apreciável mudança de mentalidades e circunstâncias.

Não falei em “mulheres sacerdotes” nos tempos apostólicos, tal como não houve “homens sacerdotes” (cristãos, não os do templo de Jerusalém) nos tempos apostólicos. Se a expressão escapou (onde?) está errada, pois é pressupor em tempos apostólicos o que é claramente posterior. Não há ordenações sacramentais na Bíblia.

Diz: “O que aí mostrei foi textos dos “primeiros tempos”, onde todos consideram impossível que uma mulher seja sacerdote”.

Porém, os seus textos (os do link, em inglês) não se referiam aos tempos apostólicos, mas aos primeiros séculos, ou seja, um “tiro ao lado”, na sua expressão. Coisa pouca, só uns séculos (Paulo viveu no séc. I; Agostinho no séc. IV-V).

(vem mais a seguir)

Jorge Pires Ferreira disse...

(o resto)


“Que eles [Padres da Igreja, simplificando] tinham uma visão da mulher diferente do que temos hoje em dia? Sem dúvida, mas essa não é a discussão”.

Se a visão da mulher não influencia o que escrevem sobre a mulher, influencia o quê? A construção naval? Nem sei para que estamos aqui a discutir. Será que eles escrevem descontextualizados, com inspiração divina ad aeternum? Isto torna-se surreal.

Na realidade, o João é coerente com o princípio de citar o que dizem da mulher sem perceber o contexto e justificação com que o dizem, pois citou Paulo em 1 Tim2,11-12 (uma carta que não é do próprio Paulo, mas de alguém que se lhe seguiu), “11 A mulher receba a instrução em silêncio, com toda a submissão. 12 Não permito à mulher que ensine, nem que exerça domínio sobre o homem, mas que se mantenha em silêncio”, mas não citou os versículos seguintes, 13 e 14: “Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que se deixou seduzir mas a mulher que, deixando-se seduzir, incorreu na transgressão”. Não convinha citar o resto, não é? E ficava patente o que o discípulo de Paulo (não Paulo) pensava – como outros na sua época – da mulher.

Mais uma vez atribui-me o que não afirmo nem subscrevo: “e que por isso o Papa (e a Igreja) estavam enganados (ou a mentir) quando disseram que isso nunca tinha acontecido”. É a sua leitura. Não a minha. Não tenho qualquer dúvida de que a intenção do Papa é boa. Tenho falado antes de diferentes visões e interpretações, de aspetos que uns interpretam numa linha e outros noutra.

Diz: “O que o Jorge tem que provar é que seria normal uma mulher ser padre nesses tempos, o que é desmentido por todos esses documentos”.

Mas não é nada tido que se trata. Normal sempre soubemos que não é. Trata-se, sim, de provar que nos tempos de Jesus e na Igreja apostólica as mulheres tiveram uma importância que a seguir (nos séculos seguintes, a que correspondem os textos do link) lhes foi negada. Trata-se de provar se houve mulheres a presidir a comunidades e à Eucaristia ou se, pelo contrário, o “não”, “desde sempre, em todos os lugar e em qualquer circunstância”, é que corresponde à verdade.

E diz: “Será que é por isso [antiguidade] que essa doutrina tem alguma validade?”

Mas é isso precisamente nessa linha que tenho escrito. Não é só por ser antiga que uma coisa (em teologia) tem valor (geralmente é necessário que seja antiga, mas nem sempre é suficiente). Temos, afinal, um bom ponto para prosseguir o diálogo. Nem tudo o que é antigo serve. (Parece que) Ambos concordamos.

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