quarta-feira, 14 de março de 2012

Pensamentos íntimos e caridade social



Escreve Henri J. M. Nouwen na página 267 de "A Caminho de Daybreak. Uma viagem espiritual (Paulinas, 2000)":
A distinção entre a esfera privada e a pública da vida é falsa, e tem originado muitos dos problemas com que nos debatemos atualmente. Na vida cristã, a distinção entre uma vida privada (só para mim) e uma vida pública (para os outros) não existe.
Ele escreve isto, imagine-se, a propósito da castidade. 
Para um cristão, mesmo as fantasias, os pensamentos, as emoções e os atos mais íntimos, são um serviço ou um prejuízo para a comunidade.
Como é sabido, porque ele mesmo o disse, as suas tentações vinham do campo masculino. Que se sabia isso, nesta lógica, não é uma devassa da vida privada.
Eu nunca posso dizer: «Não tenho que dar contas a ninguém do que penso, sinto, ou faço no meu tempo privado». Diz respeito a todos, sim! A fortaleza mental e espiritual duma comunidade depende, em grande medida, da maneira como os seus membros vivem as suas vidas mais íntimas como um serviço aos seres humanos.
Estes pensamentos, ainda que trocando a expressão "vida pública" por "vida comunitária", vão ao cerne do agir cristão. Se a intimidade pessoal tivesse de ser obrigatoriamente exposta em público, cairíamos num totalitarismo horrível (como se houvesse dos bons).


A confissão dos pecados, já não em público mas ao padre,  tem claramente esta ideia comunitária como fundo. É quando acontece a completa privatização da vida cristão que o cristianismo perde pertinência social. Além da afetividade, pensemos na política, na economia, na cultura. A chamada caridade social.

3 comentários:

Anónimo disse...

"as suas tentações vinham do campo masculino"Parece-me uma expressão infeliz. . . tenho pena. .. Henri j.m.Nouwen era homossexual e por isso toda a sua espiritualidade está muito marcada por essa sua condição e foi capaz no início da pandemia da sida manter um dialogo interessante e muito tenso com as organizaçoes gay americanas que o pressionaram para que "saisse do armário " e é nesse contexto que a sua reflexão por vezes muito crispada se faz na tentativa de perceber o que significa fidelidade ao magistério,vida publica ,vida privada.Esboço de uma espiritualidade ? Sim compro essa reflexão ...testemunho de caminho espiritual de um padre "gay" plenamente de acordo agora "tentações" e "etc"pareceu-me e parece-me pouco saudavel numa obra de um homem interessante

Jorge Pires Ferreira disse...

Obrigado pelo seu comentário. Admito que a expressão seja infeliz. Não encontrei melhor para dizer o que pretendia. Quando se fala de guardar castidade - foi nesse contexto que falou da vida privada e pública, e a expressão "guardar castidade" aparece -, pensa-se em relação a mulheres, se são homens que falam. No caso dele não era isso que acontecia. Se não o dissesse, sabendo, não estaria a ser omisso?

Ninguém fala de "guardar castidade" em público, penso eu, temendo a revelação da sua identidade sexual. Sublinho que ele usa a expressão "guardar castidade", que tem no seu campo semântico palavras como tentação e pecado.

A reflexão que ele faz a partir da sexualidade parece muito pertinente ser feita pelos cristãos a partir de qualquer campo. Estou a pensar, por exemplo, na última catequese quaresmal do Patriarca de Lisboa. Conhece-a com certeza. Veio na Ecclesia.

Anónimo disse...

a homossexualidade lida por ele em muitas circunstancias como uma "ferida"leva-o a procurar na bondade de Deus a consolação necessária para o seu coração fragilizado pela sua condição...é neste contexto que o privado é sempre público porque a experiencia da misericórdia de Deus permite-lhe a ele e a n´s o testemunho e por isso um serviço ...parece-me que n ele tudo gira á volta da fragilidade e da bondade de Deus e é apartir daí que tv se possa falar da espiritualidade do "fragil"

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