Um Deus que dança. Itinerários para a oração
José Tolentino Mendonça
Apostolado da Oração
128 páginas
O título deste livro remete obrigatoriamente para a frase de Nietzsche, que escreveu que só acreditaria num Deus que dançasse. No espírito do filósofo alemão, ateu – tão ateu que por vezes parece crente pela recusa de um deus à imagem humana, demasiado humana –, estaria uma tentativa de repudiar o Deus cristão, tido como inimigo da festa, da alegria, do excesso. Mais do que atingir Deus, Nietzsche atingiu sem dúvida muitas das representações que dele se fazem. E os cristãos não estão isentos de responsabilidades, na medida em que contribuem para absolutizar certas imagens, ideias, concepções, convicções...) que deveriam sempre ser tomadas como relativas.
Deus dança? O Deus de Jesus, o próprio Jesus, certamente que sim. Ia a casamentos, lemos no evangelho. E no seu tempo não havia casamento sem dança nem vinho. Tolentino Mendonça afirma a dança de Deus noutro sentido, sendo, no fundo, o mesmo do Jesus que ia às festas que de tão humanas eram divinas. “Acredito num Deus que não se isenta do devir, nem permanece neutral em relação às nossas histórias. Acredito num Deus imiscuído, engajado, detectável até pelo impreciso radar dos sentidos, susceptível de ser invocado pelos motores de busca das nossas persistentes interrogações ou do nosso silêncio. Deus não está unicamente para lá da fronteira do pensável e do dizível: está também aquém; nós vivemos no espanto interminável da sua presença; e as nossas palavras, por pobres que sejam, constituem pontes de corda lançadas sobre a amplidão do mistério”, escreve o padre e poeta na Introdução.
Este livro, incluindo uma gravação em CD, recolhe os textos breves que Tolentino Mendonça escreveu para o projecto “Passo-a-rezar” mais sete meditações (“sete pausas”), inspiradas em trechos bíblicos.
“Passo-a-rezar” (ver http://www.passo-a-rezar.net) é um sítio na Internet, promovido pelos jesuítas, que disponibiliza para cada dia uma meditação para ser rezada. A ideia é ouvi-la enquanto se faz outra coisa (transportes, sala de espera…), o que além de não ser tão prático como parece, encerra algo de contraditório, se pensarmos naquela anedota que dizem que se contava nos seminários:
- Padre, posso rezar enquanto fumo?
- Sim, à partida, não há nada que o impeça.
- E posso fumar enquanto rezo?
Mas nada impede, pelo contrário, que se usem as meditações em ambiente de recolhimento, como costumam ser os da oração tradicional. “Quando quiseres rezar, recolhe-te no teu quarto…”, dizia Jesus. Com estes subsídios em livro, o silêncio está facilitado. E não será preciso ter pilhas, bateria ou electricidade.
A abrir este livro surge um magnífico prefácio de nove páginas do actor Luís Miguel Cintra, que começa assim:
Comove-me até às lágrimas o gesto colectivo de oração: os muçulmanos prostrados, voltados para Meca, os cristãos a fazer o sinal da cruz. E comovem-me as mesquitas, e comovem-me as catedrais, as casas para rezar. Porque mais do que palavras julgo que a oração é um estado. Um estado de humildade e um estado de alegria. Que pode ser privado ou colectivo. E que envolve necessariamente o corpo porque sem ele não há pessoas, porque o ser humano é carne, aquela que diz S. João em que o verbo se fez. Não me choca a mortificação física: as peregrinações de joelhos, a autoflagelação dos monges, os jejuns. São ofertórios: ofertas talvez estéreis ou infelizes mas ofertas do nosso eu. Sendo nós carne, só através da carne chegaremos a Deus. O crucifixo no-lo ensina.
3 comentários:
Neste momento é um dos meus livros de cabeceira... Muito bom!
Conheci o Pe Tolentino Mendonça através de D. José Cordeiro. Tal como este, Tolentino por onde passa deixa rasto.
Obrigado pelos comentários.
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