Texto de Anselmo Borges no DN deste sábado (aqui).
Acho bonito que, na Madeira, chamem à Feira do Livro a Festa do Livro. Pois foi na última Festa que apresentei - e é disso que dou conta nesta crónica - o livro "E Deus criou a mulher. Mulheres e Teologia". É o subtítulo que diz o tema geral de um Colóquio realizado há um ano na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, com comunicações de várias filósofas e teólogas - Fernanda Henriques, Maria Julieta Dias, Laura Santos, Teresa Toldy, Isabel Allegro de Magalhães -, que o livro entrega agora ao público. Na apresentação, chamei a atenção para a problemática em epígrafe.
Em primeiro lugar, quando se pensa em hermenêutica feminista das religiões e dos seus textos sagrados, é necessário perceber que a revelação religiosa é sempre indirecta, tornando-se assim claro que a leitura dos textos não pode ser literal, mas histórico-crítica. Por outro lado, referindo-nos concretamente à Bíblia, é preciso ver que ela só vale no seu todo, e o critério último de leitura é a salvação, a libertação. Por isso, os textos opressores - neste contexto, os textos que oprimem as mulheres - devem ser evitados nas celebrações litúrgicas.
Elencando alguns princípios mais concretos, sublinharia, antes de mais, a necessidade de uma hermenêutica da suspeita. De facto, se os autores dos escritos, os seus tradutores, os seus intérpretes, os seus transmissores, são homens, é preciso suspeitar, no sentido de perceber que eles tenham colocado as mulheres em lugares subordinados, inferiores, as tenham esquecido. Por exemplo: na explicação do mal, não seria "natural" que eles as tenham culpado?
Há igualmente que ter atenção a uma hermenêutica da memória. É preciso fazer uma leitura da História no seu reverso, isto é, a História que conhecemos é a História na qual os homens são os heróis, é a História dos vencedores, sendo necessário ler o que lá falta: a História dos vencidos, portanto, dos escravos, dos colonizados, dos pobres, das mulheres. No caso presente, é preciso reconstruir a História, encontrando o lugar activo e criativo das mulheres, lugar que foi ocultado e silenciado.
A leitura feminista das religiões e dos seus textos faz-se a partir dos movimentos de emancipação das mulheres, portanto, dentro da luta pelos direitos humanos, que são indivisíveis.
Esta leitura terá de atender particularmente ao funcionamento sexista da linguagem. Repare-se como a língua portuguesa sofre deste perigo: para que a mulher aceda à sua identidade humana, fá-lo mediante o uso do genérico "homem" - "nós, os homens", incluindo varões e mulheres.... A mulher é ser humano pela mediação do masculino. Neste contexto, esquece-se frequentemente a fortíssima influência da liturgia e o processo de socialização religiosa no masculino: uma menina é baptizada em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, refere-se a Deus como Pai, será confrontada com uma estrutura hierárquica masculina: o padre, o bispo, o papa.
Impõe-se ser particularmente crítico com as imagens patriarcais de Deus. De facto, se Deus é masculino, o masculino acaba por ser divinizado. As imagens patriarcais de Deus: Pai, Rei, Juiz, Senhor, acabam por legitimar religiosamente o poder dos homens, como sublinha Juan José Tamayo, e gerando atitudes de submissão e dependência por parte das mulheres, no quadro de uma religião autoritária.
O que diriam os fiéis (eles e elas), se na Missa, o padre iniciasse o Credo assim: Creio em Deus Mãe toda poderosa, criadora dos céus e da terra? No entanto, Deus é assexuado e Pai é apenas uma metáfora, podendo, por isso, dizer-se também Mãe. O que se passa é que o óvulo feminino só foi descoberto em 1827. Antes, seguiu-se a concepção aristotélica do hilemorfismo, continuada por São Tomás de Aquino. Nesta visão, a mulher era passiva e um macho falhado e, por isso, Tomás de Aquino afirmou que a mulher não pode ter poder na Igreja, não pode pregar, e os pais devem amar mais os filhos do que as filhas.
Esta atenção de uma hermenêutica crítica pertence a todas as religiões e é tarefa tanto das mulheres como dos homens.
Em primeiro lugar, quando se pensa em hermenêutica feminista das religiões e dos seus textos sagrados, é necessário perceber que a revelação religiosa é sempre indirecta, tornando-se assim claro que a leitura dos textos não pode ser literal, mas histórico-crítica. Por outro lado, referindo-nos concretamente à Bíblia, é preciso ver que ela só vale no seu todo, e o critério último de leitura é a salvação, a libertação. Por isso, os textos opressores - neste contexto, os textos que oprimem as mulheres - devem ser evitados nas celebrações litúrgicas.
Elencando alguns princípios mais concretos, sublinharia, antes de mais, a necessidade de uma hermenêutica da suspeita. De facto, se os autores dos escritos, os seus tradutores, os seus intérpretes, os seus transmissores, são homens, é preciso suspeitar, no sentido de perceber que eles tenham colocado as mulheres em lugares subordinados, inferiores, as tenham esquecido. Por exemplo: na explicação do mal, não seria "natural" que eles as tenham culpado?
Há igualmente que ter atenção a uma hermenêutica da memória. É preciso fazer uma leitura da História no seu reverso, isto é, a História que conhecemos é a História na qual os homens são os heróis, é a História dos vencedores, sendo necessário ler o que lá falta: a História dos vencidos, portanto, dos escravos, dos colonizados, dos pobres, das mulheres. No caso presente, é preciso reconstruir a História, encontrando o lugar activo e criativo das mulheres, lugar que foi ocultado e silenciado.
A leitura feminista das religiões e dos seus textos faz-se a partir dos movimentos de emancipação das mulheres, portanto, dentro da luta pelos direitos humanos, que são indivisíveis.
Esta leitura terá de atender particularmente ao funcionamento sexista da linguagem. Repare-se como a língua portuguesa sofre deste perigo: para que a mulher aceda à sua identidade humana, fá-lo mediante o uso do genérico "homem" - "nós, os homens", incluindo varões e mulheres.... A mulher é ser humano pela mediação do masculino. Neste contexto, esquece-se frequentemente a fortíssima influência da liturgia e o processo de socialização religiosa no masculino: uma menina é baptizada em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, refere-se a Deus como Pai, será confrontada com uma estrutura hierárquica masculina: o padre, o bispo, o papa.
Impõe-se ser particularmente crítico com as imagens patriarcais de Deus. De facto, se Deus é masculino, o masculino acaba por ser divinizado. As imagens patriarcais de Deus: Pai, Rei, Juiz, Senhor, acabam por legitimar religiosamente o poder dos homens, como sublinha Juan José Tamayo, e gerando atitudes de submissão e dependência por parte das mulheres, no quadro de uma religião autoritária.
O que diriam os fiéis (eles e elas), se na Missa, o padre iniciasse o Credo assim: Creio em Deus Mãe toda poderosa, criadora dos céus e da terra? No entanto, Deus é assexuado e Pai é apenas uma metáfora, podendo, por isso, dizer-se também Mãe. O que se passa é que o óvulo feminino só foi descoberto em 1827. Antes, seguiu-se a concepção aristotélica do hilemorfismo, continuada por São Tomás de Aquino. Nesta visão, a mulher era passiva e um macho falhado e, por isso, Tomás de Aquino afirmou que a mulher não pode ter poder na Igreja, não pode pregar, e os pais devem amar mais os filhos do que as filhas.
Esta atenção de uma hermenêutica crítica pertence a todas as religiões e é tarefa tanto das mulheres como dos homens.
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