domingo, 10 de abril de 2011

À procura do absoluto



O filósofo franco-búlgaro Tzvetan Todorov é um mito do ensaísmo literário e histórico. Vivendo na França desde 1963, Todorov publicou mais de 20 livros sobre temas tão diversos como a conquista da América e o pensamento de Jean-Jacques Rousseau - mais particularmente, sobre sua ideia de felicidade humana. E foi em busca desse ideal que Todorov, hoje com 72 anos, começou a escrever o livro "A Beleza Salvará o Mundo", cujo título original, "Les Aventuriers de l"Absolu" ("Os Aventureiros do Absoluto"), transmite com precisão a intenção do escritor, a da busca incessante por um estado de plenitude que torne nossa existência menos ordinária e mais bela. Não que o título brasileiro seja incorreto. Ao contrário. Todorov, em entrevista ao Estado, diz que a frase "a beleza salvará o mundo", retirada do clássico russo "O Idiota", de Dostoievski, foi fundamental para que ele realizasse esse trabalho de pesquisa sobre realização interior de três grandes escritores, o irlandês Oscar Wilde (1854-1900), o poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875- 1926) e a poeta russa Marina Tsvetaeva (1894-1941).
O ESTADO DE S. PAULO - Com todas as catástrofes e tragédias do século, é uma surpresa um livro como A Beleza Salvará o Mundo, considerando os campos de prisioneiros, os massacres e o horror do mundo globalizado. Essa foi a razão que o levou a escolher três escritores do passado para analisar em sua obra? Foi difícil encontrar exemplos no presente desse tipo de beleza que o senhor identifica nos trabalhos de Wilde, Rilke e Tsvetaeva? 

TZVETAN TODOROV - A aspiração à beleza, à experiência espiritual, a uma vida digna de ser vivida, não depende das circunstâncias exteriores. É provável mesmo que ela seja ainda mais forte quando a vida que levamos seja pouco satisfatória. Encontramos exemplos assim até nos campos de extermínio. Eugênia Ginzburg (escritora russa morta em 1977 e condenada a 18 anos de prisão em 1937, injustamente acusada de atividades contrarrevolucionárias na ex-URSS) lembrava sempre como a leitura dos poemas de Púchkin tinha o poder de levantar o moral de seus companheiros, no trem que os conduzia a Kolima. Primo Levi descreve os efeitos benéficos que produziam a lembrança de qualquer verso de Dante quando estava em Auschwitz. E não se trata apenas de obras de arte: contemplar uma paisagem, viver um encontro humano pode produzir o mesmo efeito.
Oscar Wilde, um dos escritores analisados em seu livro, costumava dizer que o autor não deveria usar sua biografia para escrever, porque o verdadeiro artista tem o dever de criar um mundo imaginário. Hoje parece acontecer o contrário, porque o que se vê são autores explorando detalhes íntimos de suas vidas em seus livros. Seria essa a razão de vermos tão poucos exemplos de beleza na literatura contemporânea?
Um escritor pode produzir uma grande obra a partir de qualquer experiência existencial, dependendo do que ele faça com ela. É verdade que a literatura contemporânea, em certos países, favoreça esse lado narcisista, provocando resultados pífios. Mas é possível escapar disso. Pegue, por exemplo, uma peça autobiográfica como Longa Jornada Noite Adentro, de Eugene O"Neill (que, é bem verdade, é de 1940): ainda que explore a vida íntima do dramaturgo, ela atinge uma dimensão universal. Há também inúmeros escritores contemporâneos que não escrevem autobiografias e cujas obras encerram uma grande beleza. Rilke, como Oscar Wilde, pensava que a busca do absoluto devia se tornar o ideal de todo ser humano, mas sofria de uma espécie de "possessão demoníaca", como certa vez escreveu numa carta à amiga Lou Andreas-Salomé. Em ambos os casos, parece que a beleza estava ligada a uma certa ideia diabólica do mal, considerando, por exemplo, O Retrato de Dorian Gray e a atração de Rilke por Mussolini. É possível que os dois tenham sido atraídos pelo lado perverso e decadente da beleza?
Wilde não ligava necessariamente a beleza ao mal, mas queria que sua busca da beleza estivesse livre de qualquer pressão moral. Sua vida trágica nos mostra que essa separação era mais difícil do que imaginava. Rilke submeteu seus julgamentos morais e políticos às exigências estéticas, o que por vezes lhe causava um enorme sofrimento, conduzindo-o frequentemente a impasses. Não é a natureza da beleza a responsável por esses fracassos, é o lugar que destinam a ela esses criadores em relação a outras dimensões de sua existência. 

O ESTADO DE S. PAULO - Em "O Idiota", Dostoievski diz que há apenas um ser no mundo que é absolutamente belo, Cristo, "l"Être suprême", o ser supremo, para o escritor russo. E para o senhor, qual é a suprema beleza do mundo?
TZVETAN TODOROV - Para mim, a beleza absoluta não se encarna nos seres, sejam eles indivíduos ou uma comunidade. Acho que ela só se manifesta em experiências particulares. Por vezes, encontro-a em obras de arte, mas ela também pode estar nas folhas de uma árvore, no riso de uma criança ou no olhar de uma pessoa que amo.
Conheci a entrevista por intermédio do IHU. Original do jornal paulista aqui. Em ambos os sítios a entrevista poder ser lida na versão integral. 

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