Já lá vai uma série de anos que um amigo, irritado por lhe dizerem que tinha tido muita sorte por ter saído intacto do Fiat Uno espatifado, respondia:
- Sorte era eu ter visto o camião a tempo.
Richard Dawkins segue o mesmo tipo de raciocínio ao afirmar que João Paulo II, nos seus “devaneios politeístas” [por acreditar em Deus-Trindade e, ainda por cima, em Maria], atribuiu à intervenção de Nossa Senhora de Fátima a circunstância de ter sobrevivido ao atentado de 1981 na Praça de São Pedro.
“«Uma mão materna guiou a bala». Não podemos deixar de sentir curiosidade em saber porque não terá ela guiado a bala de forma a nem sequer o atingir. Outros poderão pensar que a equipa de cirurgiões que o operou durante seis horas merecia pelo menos uma parte dos louros, mas talvez as suas mãos também tenha sido maternalmente guiadas”, escreve Dawkins (“A Desilusão de Deus”, pág. 60).
Mas na verdade, mesmo para quem não tem grande simpatia pelos milagres e pelas constantes intervenções pontuais de Deus (o que é o meu caso, embora por vezes, em relação aos milagres, tenha de me calar por ficar sem palavras), não há dúvida de que certos momentos são reveladores. Certos episódios, mesmo que resultado das acções puramente humanas, entram para a galeria dos momentos que constroem o sentido das nossas existências particulares e colectivas. E não custa nada ver que Deus escreve direito por linhas tortas. Na existência como um todo. E em alguns marcos com mais acuidade. A interpretação é que é muito distorcida pelos nossos olhares vesgos.
Daí que compreenda que algumas pessoas atribuam a Deus o que depende dos seus próprios méritos e agradeçam a Deus a competência de quem lhes presta um serviço, mesmo que nada mais façam do que a sua obrigação. Paga-se aos médicos, por exemplo, e agradece-se a Deus o dom da medicina. E pede-se a Deus pela saúde dos médicos, eles que só fizeram o que deveriam de facto ter feito.
Não devemos e podemos, afinal, agradecer tudo a Deus? Até há um estudo de uma universidade inglesa que relaciona a boa saúde mental com capacidade de agradecer. Veio num jornal e recortei-o porque me parecia credível, ainda que haja, algures no mundo, um estudo e um contra-estudo contraditórios sobre todos os assuntos possíveis.
Isto já vai grande e eu só queria chegar aqui. Vejo no “Público” de hoje (a imagem do bolo tirei-a do sítio do São Paulo). Rogério Ceni, guarda-redes do São Paulo marcou no domingo o seu centésimo golo. É um especialista a marcar lances de bolo parada. Treinou "15 mil vezes" antes de marcar o primeiro e agora é o guarda-redes (goleiro) com mais golos marcados na história do futebol. Depois do golo ao Corinthians de Liedson, afirmou: “Não esperava fazer o centésimo [golo] num clássico. É um presente de Deus. Há dias em que ele está olhando para você”. Felizmente Dawkins não estava lá para estragar a festa do centésimo golo.
2 comentários:
Ótimo comentário, Ferreira...
Principalmente a conclusão !
Saudações são-paulinas
André Tadeu de Oliveira
São Paulo - SP- Brasil
Obrigado pelo seu comentário. É bom saber que sou lido aí no Brasil. Abraço. JPF
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