Hoje dá para sorrir a fé que noutros tempos se punha das relíquias. Talvez não somente noutros tempos, pelo menos para algumas pessoas. Basta ver as multidões atraídas pelas relíquias de Santa Teresinha ou pelas de São João da Cruz. Talvez nestes casos as relíquias, os restos mortais, sejam apenas um sinal para uma devoção sem superstição. Espero que seja isso.
Mas até ao séc. XVI não foi assim. As relíquias proliferavam. Ter uma relíquia era fonte de segurança. Os santos, Nossa Senhora e Jesus Cristo protegiam quem tivesse um resto sagrado qualquer.
Na realidade, as relíquias, em vez de protecção, foram causa de destruição. No Oriente, as comunidades bizantinas pensavam que por terem determinado ícone e determinada relíquia estavam protegidas contras os muçulmanos que as cercavam. Havia gente, tanto líderes políticos como religiosos, que pregava: se temos os protectores connosco, para quê pegar em armas? Por vezes, os invasores não encontraram qualquer resistência.
No Ocidente, as relíquias foram um dos alvos preferidos dos reformadores. Só me espanta que não tenha havido não-reformadores igualmente contundentes para com o crânio de João Baptista enquanto jovem, os vários prepúcios de Jesus, os vários cálices da última ceia, os vários braços de Santo André, as gotas de leite de Nossa Senhora, penas de anjos, as varas de Moisés, bocados da camisa do Menino Jesus, ou, entre muitas outras – estas são um “must” – a pedra que Jesus não teve para reclinar a cabeça e o suspiro de São José.
Em Espanha surgiu agora o livro “Huesos sagrados” (“Ossos sagrados”), de Peter Mansau, que diz que "No hay religión, por muy adelantados que se consideren hoy sus miembros, que haya sido inmune en el pasado a una u otra forma de culto a las reliquias. Toda tradición religiosa que haya sobrevivido al paso de los siglos lo ha conseguido mediante su expansión casi constante por nuevos territorios en que reclutar nuevos adeptos. Para triunfar en este empeño, una fe de nuevo cuño necesitaba algún tipo de tarjeta de visita, una forma portátil de santidad en torno a la cual sus enviados a las regiones más remotas pudieran suscitar adhesiones. En el caso, sobre todo, del cristianismo, el islamismo y el budismo, esas tarjetas de visita eran las reliquias: si no simiente de comunidad, sí al menos un buen fertilizante" (ver aqui).
Quanto a mim, fertilizante dispensável, principalmente quando são forjadas. De resto só servem como documentos históricos, o que já é muito. Será que admitir que o corpo de São Tiago não está em Compostela desvaloriza o caminho de Santiago? Vale a pena manter pias falsidades? Não e não.
O texto diz que a Catedral de Valência tem três grandes armários de relíquias (acrescente-se que qualquer pequena igreja secular tem pelo menos duas ou três relíquias) e conta também a história do pêlo de Maomé e a do dente de Buda.
Hoje, as relíquias, de bilhetes dos U2 a chicletes mastigadas pela Britney Spears, passando pelas roupas da Lady Gaga, estão na grande rede.
Mais relíquias aqui.
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