sábado, 13 de novembro de 2010

Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano


Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,

que o absurdo, mesmo em curtas doses,

defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!

Se é verdade o aforismo faca afia faca (…) então que a faca do absurdo

venha afiar a faca da nossa embotada vontade,

venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado

e o dia a dia será nosso e diferente (…)

Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.

Mas nós não queremos ser um povo feliz (…)

Nós queremos a maleita do suíno, a noiva que vê fugir o noivo,

a mulher que vê fugir o marido, o órfão que é entregue à caridade pública,

o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital

onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou nenhuma (…)

Queremos ser o pai desempregado que não sabe que Natal há-de dar aos seus.

Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia,

um pequeno absurdo às vezes chega para salvar.


Alexandre O’Neill

(Tirado daqui)

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