Em 1994 publiquei um livro chamado «A Change of Climate», que foi seleccionado para um pequeno prémio concedido a livros com um tema religioso. Era a primeira vez que o livro meu ia tão longe e fiquei surpreendida comigo própria, com a minha contenção. As principais personagens do livro eram missionários cristãos, mas quando o seu Deus permaneceu impassível perante as provações por que passaram, provações que abalariam qualquer fé, a sua religião tornou-se não mais do que um hábito, um conjunto de tiques comportamentais. Na ausência de crença num universo benigno, as personagens continuariam tristemente a tentar ser bons principalmente porque não sabiam fazer nada de outra maneira.
O vencedor devia ser anunciado numa reunião algo discreta numa editora fora de moda, perto do Museu Britânico. Eu nunca tinha estado numa festa literária parecida. Alguns dos convidados pareciam estar a tomar, com sorrisos envergonhados, a sua primeira bebida alcoólica do ano. Manter uma conversa era uma verdadeira luta; tudo o que tínhamos em comum era Deus. Depois de não ter ganho, abandonei a sala, enfrentei a bela luz da tarde e chamei um táxi. Tudo o que sentia era aquele habitual esmagamento próprio de quem desperdiçou um dia.
Mas, à medida que enfrentávamos o tráfego comecei a reagir. Estava revoltada, possuída por uma vontade de fazer qualquer coisa de perverso, qualquer coisa que me expusesse como uma amante da torpeza moral e me excluísse de ser novamente seleccionada para aquele prémio. Mas o que é que eu podia fazer no banco de trás de um táxi a caminho de Waterloo? Desejando despejar o cálice do diabo pela boca abaixo de toda aquela gente simpática, não me veio qualquer ideia à cabeça. Podia pôr a cabeça de fora da janela e fazer caretas aos peões, mas eles não tinham maneia de saber que era a minha cara odiosa. Podiam pensar que eu era sempre assim.
Hilary Mantel em "De Olhos Postos no Prémio", na revista "Intelligent Life" de Outono
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