domingo, 12 de setembro de 2010

Hawking: Um nada que é tudo

Admiro Stephen Hawking. É uma mente científica brilhante. E embora não se realcem os seus feitos com o facto de estar numa cadeira de rodas, só poder mexer uns dedos e falar por meio de um processador de voz – julgo que por causa do pudor socialmente correcto em dizer que “ele é doente” ou “ele é deficiente” –, essas circunstâncias não só contribuem para a aura do cientista frágil por fora mas iluminado por dentro (o mesmo se aplica ao genial mas despenteado e distraído Einstein) como são um bom exemplo de que as limitações exteriores não são impeditivas de façanhas brilhantes. Um exemplo de catequese, se Hawking fosse crente. Na realidade até é crente, já lá chegarei, mas não em Deus, seja Ele qual for, suponho, nem da teologia ou em qualquer igreja.

No programa «Larry King Live», na CNN, emitido no dia 10 de Setembro, afirmou que a “teologia é desnecessária” e que “a ciência está cada vez mais a responder a questões que eram um território da religião”. Não sei se disse quais as questões que "eram" da religião. O resumo que saiu na imprensa não esclarece. Mas a grande questão, tendo em conta anteriores tomadas de posição, é: por que é que existe o universo em vez do nada?

Não sendo eu cientista de formação nem por lá perto, ainda que tenha lido uns bons livros da colecção “Ciência Aberta”, da Gradiva, incluindo a “Breve História do Tempo”, de Hawking, no início dos anos 90, considero, no entanto, que as grandes questões devem ser do alcance de todos. É uma espécie de dogma em que acredito, como Hawking também acredita em coisas não provadas – lá chegarei. A origem e o fim do universo, o sentido da vida, os porquês e para quês últimos devem estar ao alcance de todos, porque somos feitos da matéria do universo mas temos consciência, que é quando a materialidade se ultrapassa. Se um cientista me faz como Euler fez a Diderot, sinto-me defraudado em vez de derrotado. Discutindo a existência de Deus, Euler escreveu uma fórmula matemática e concluiu: “Logo, Deus existe”. Diderot sentiu-se derrotado. E suponho que frustrado. Euler sabia bem que Deus não se provava, mas aquilo era para dar uma lição ao iluminista, grande humanista e anticlerical, mas pouco dado às ciências positivas. Por vezes Hawking parece ser um novo Euler ao dar a entender, no meio de teorias de que já ouvimos o nome, mas que não percebemos realmente, que Deus não existe, que é desnecessário, que não pode ter criado o mundo.

É que, mesmo que alguém informado diga que compreende que a energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado (equivalência massa-energia), por exemplo, o mais certo é que saiba que é assim, mas não compreenda realmente como pode ser assim. Compreender é outra coisa. Felizmente, não precisamos de compreender a mecânica para conduzir um automóvel. Temos de confiar nos mecânicos e nos construtores de automóveis.

Se Hawking junta meia dúzia de teorias, a relatividade, mais a quântica, mais a Teoria-M e as supercordas, e diz que isso explica o como e o porquê do universo e dispensa Deus, se confiarmos nele como confiamos nos mecânicos, dispensamos Deus. Mas, no geral, os mecânicos da ciência dizem que a ciência não trata de Deus. Como os mecânicos da teologia dizem que a teologia não trata do como do mundo. E logo aqui há uma dissonância.

Mas o pior é que, apesar de não compreendermos as tais teorias, não podemos deixar de questionar o que o cientista nos diz. Afirma, por exemplo: “Dada a existência da gravidade, o universo pode criar-se a si mesmo do nada”. “Dada?” Como “dada”? Se é no sentido de “observada”, ou “já que existe”, a questão que logo se impõe é por que é que existe a gravidade em vez do nada? E quanto ao nada, para Hawking e outros cientistas, é um nada que é tudo. Na filosofia dizia-se que do nada, nada pode vir. Os cientistas, ou Hawking, andam a dizer que do nada tudo pode vir. Até compreendo – ou penso que compreendo – o que querem dizer. Se o cosmos é uma soma de energia zero, o universo que existe é uma flutuação de energia, é uma separação da matéria (onde nós estamos e somos; curiosa essa ideia de separação, como nas primeiras páginas da Bíblia) e da antimatéria (que andará escondida algures no universo, ou noutro universo, e que é matéria de bestsellers). Por isso dizem que há o universo e o multiverso. E porque não inverso?

Mas se matéria mais antimatéria dá nada, zero, equilíbrio, convém notar que é um nada muito especial. Um nada que é tudo. Ora, se me dizem que há ou houve lá muito no princípio, ou antes do princípio, um nada que é bem nada, um nada que é a soma de tudo, que é tudo, isto soa-me a algo incongruente e, em certo sentido, quase dogmático.

Para superar o nada radical (e não o nada científico, que esse não o compreendo), só concebo um não-nada superior a tudo. A isso chamo Deus, embora o da fé, sendo esse, é mais do que isso. Aqui entra a filosofia e, na minha perspectiva, a religião. E não se confunde com a ciência. Que a ciência explique a origem do universo, ainda que me pareça uma explicação que não explica realmente, pelo menos no ponto em que nos encontramos, até poderei aceitar, mas terei de compreender o básico, ao contrário dos motores de automóveis ou dos computadores, que não respondem às questões do sentido, ainda que respondam a necessidades básicas. Não basta dizer: “Nós, cientistas, sabemos como é. Acreditem em nós, que é demasiado complicado para perceberem”. Mas parece-me que é o que está a acontecer. E isso requer muita fé.

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