domingo, 20 de junho de 2010

Saramago fazia teologia do protesto

Tolentino Mendonça e José Saramago

No sítio do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC), da Igreja Católica, fala-se de Saramago. Uma nota do dia 18 de Junho, por “dever de cordialidade”, realça a aproximação do Nobel do texto bíblico e lamenta os “balizamentos ideológicos”.

“Como é público, o cristianismo e o texto bíblico interessaram muito ao autor como objecto para a sua livre recriação literária. Há uma exigência e beleza nessa aproximação que gostaríamos de sublinhar. O único lamento é que ela nem sempre fosse levada mais longe, e de forma mais desprendida de balizamentos ideológicos. Mas a vivacidade do debate que a sua importante obra instaura, em nada diminui o dever da cordialidade de um encontro cultural que, acreditamos, só pode ser gerado na abertura e na diferença”.

Numa entrevista à TSF, Tolentino Mendonça, padre e director do SNPC, partilha três notas que “mostram como um ser humano foge sempre às etiquetas”.

A primeira: “Na altura disse-lhe: «O Saramago, que faz estas afirmações incendiárias em relação à Bíblia, é contudo o mais bíblico dos autores contemporâneos, porque a sua escrita tem uma musicalidade, uma cadência e uma porosidade por onde a Bíblia entra». E ele sorriu.

A segunda: “Um outro momento interessante foi quando eu lhe recordei um texto de um amigo dele, um colunista do jornal «El Pais», que escreveu que Saramago não andava longe dos místicos. Saramago concordou e disse que aquele texto lhe tinha agradado muito. E de certa forma, o nada do ateísmo que Saramago proclamava como que se encontra numa viagem diversa…”

A terceira: “No fim ele mostrou-mo: era uma edição de Jordi Savall das «Últimas Sete Palavras de Cristo na Cruz», do compositor Joseph Haydn. Essa edição trazia um texto de um teólogo catalão e outro de Saramago.

E ele quis muito dizer que é chamado para escrever sobre Jesus, num texto que é de facto muito belo. E ele acaba por afirmar uma coisa que, a mim, que sou crente e teólogo, me interessa muito: para ele, Saramago, não era relevante a forma como Jesus ilumina a questão de Deus, porque para ele essa questão não se põe. Mas é muito importante a forma como a figura de Jesus ilumina a questão do homem, este enigma que nós somos. Ele achava que Jesus iluminava muito esse enigma”.

No final da entrevista, Tolentino Mendonça afirma: “Em José Saramago há muito do que eu chamaria uma espécie de teologia do protesto. Um homem que não aceita soluções fáceis para as grandes perguntas da existência. E que a tudo diz que não, protestativamente. Isso é uma coisa que nos faz bem a todos. Numa cultura muito conformista e de assentimentos fáceis, perceber o seu “não”, mesmo discordando dele e percebendo as limitações de algumas das suas declarações e do seu pensamento. Penso que esse ar de profeta que ele carregava é muito importante porque a cultura e um criador têm também uma responsabilidade civil que é de lançar esse inconformismo, de lançar a pergunta. Nesse sentido, a pessoa de José Saramago cumpria muito bem essa imagem”.


Nota do SNPC

Entrevista de Tolentino Mendonça

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