Mais um uso dos Evangelhos, no caso Mt 14,26 (ou paralelos), para falar da actualidade política portuguesa. Excertos de um artigo de Miguel Gaspar, no "Público" de 18 de Maio de 2010.
Este país não é para crentes
(...) Se conseguir levar-nos a mudar a maneira como fazemos política e como pensamos as coisas, então a crise poderá via a ter alguma utilidade.
Mas não estamos sequer perto de conseguir uma transformação dessas. Basta ler o que se continuou a dizer durante a semana negra que passou. De visita à Nunciatura, José Sócrates, além de ter chamado “sua eminência” ao Papa, sugeriu, tentando fazer graça (suponho) que haveria uma ligação entre o crescimento da economia e a viagem papal. Mais trivial, Cavaco Silva sugeriu que a visita de Bento XVI trazia “esperança” numa hora difícil – enquanto os portugueses acham que o título do Benfica e a presença do Papa serviram que nem uma luva para camuflar as medidas que estavam a ser tomadas.
Esta crise, de facto, não é para crentes. Compreende-se porquê. Não sabemos se Jesus Cristo andou sobre as águas (é uma questão de fé), mas sabemos que o Governo pensa que pode andar por cima desta crise como Cristo andou sobre as águas. Depois do delírio das obras públicas e da garantia de que os impostos não iam subir, ninguém acredita no Governo. (…)
A crise não é económica, nem financeira, nem dos mercados. É sermos um país ou tornarmo-nos irrelevantes. Ou seja, um país que não consegue governar-se a si próprio e que ninguém quer governar. Que esse futuro possa acontecer não é só uma questão de crença – é o destino que nos espera se continuarmos a acreditar que de uma maneira ou de outra acabamos sempre por nos safar.
Miguel Gaspar
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