Li a notícia que a seguir reproduzo no sítio da RFM, aqui. Ajuda muito a discernir o que é e não é verdade nesta nebulosa de factos, opiniões, suspeitas. É preciso não esquecer que Bento XVI escreveu um documento sobre a pedofilia na Igreja da Irlanda. Ou seja, o caso é grave e a Igreja reconhece tal gravidade. Mas também há muitas águas agitadas com base em erros. De notar que quem fez a tradução automática utilizada pelo NYT foi a própria diocese de Milwaukee e não o NYT, como pode dar a entender o título da notícia.
New York Times baseou-se em tradução automática para acusar Papa
O documento utilizado pelo New York Times para ligar o actual Papa e o Cardeal Bertone a um caso de abusos sexuais nos EUA é uma tradução feita on-line, pejada de erros e omissões que alteram o sentido do original.
Ao longo das últimas semanas, numa série de artigos, editoriais e textos de opinião, o jornal americano New York Times procurou imputar ao Vaticano, e nomeadamente ao então Cardeal Ratzinger, a responsabilidade de ter tentado encobrir um caso de abusos sexuais na diocese de Milwaukee, nos Estados Unidos.
O jornal baseou-se em documentação cedida por advogados das vítimas do Pe. Murphy, que é acusado de ter abusado sexualmente de centenas de jovens numa escola para surdos do qual era director, durante cerca de duas décadas, até 1974. O caso só foi remetido à Congregação para a Doutrina da Fé em 1996 e o sacerdote em causa morreu em 1998, sem que fosse iniciado um processo canónico.
Inicialmente o New York Times procurou responsabilizar o então prefeito da CDF, Cardeal Ratzinger, por pressões no sentido de não se avançar com um processo e lidar com o assunto em segredo.
Há dias, e com base na mesma documentação, o jornal Die Zeit chegou a uma conclusão diferente, sublinhando o facto do nome de Ratzinger não aparecer em qualquer documento, e de não haver nenhuma indicação de que tivesse estado presente nas reuniões que decorreram no Vaticano sobre este caso, aponta o dedo ao então secretário da CDF, Cardeal Bertone.
Tradução feita no Yahoo!
Contudo, um dos documentos chave que os jornais utilizam, e que o New York Times reproduz no seu site, é uma tradução automática das minutas de uma reunião no Vaticano entre representantes da CDF, chefiados por Bertone, e uma delegação da diocese de Milwaukee.
A tradução foi enviada pelo procurador judicial do caso do Pe. Murphy, em Milwaukee, ao seu bispo. Na nota que acompanha o documento, também reproduzida pelo New York Times, o Pe. Brundage explica que se trata de uma tradução “muito grosseira”, feita apenas para auxiliar a compreensão do original “para aqueles entre nós que não falam italiano”, e que não detecta “as subtilezas do direito canónico”.
Aparentemente o NYT nunca encomendou uma tradução profissional das minutas, baseando-se na dita tradução grosseira. Daí decorreram uma série de erros de interpretação que, sustentando de facto algumas das acusações que o jornal faz à CDF, contrariam uma leitura real do documento original. A primeira pessoa a detectá-lo foi Lori Pieper, uma tradutora profissional que se deu conta das discrepâncias ao analisar a documentação que o NYT disponibiliza no seu site.
Lori produziu então uma tradução profissional e fiel ao original, que remeteu para o jornalista Jimmy Akin do jornal americano National Catholic Register, antes de escrever sobre o assunto no seu blog pessoal.
Akin escreveu um artigo extenso sobre o assunto que, entretanto, foi analisado também no Catholic News Agency.
Assim, e ao contrário do que diz o NYT, a CDF em nenhuma altura põe de parte a possibilidade de avançar com um processo canónico que possa resultar na laicização do Pe. Murphy. Contudo, o Cardeal Bertone chama atenção para as tremendas dificuldades que haverá para concluir tal processo, tendo em conta o tempo que tinha passado desde os crimes em si, e as dificuldades inerentes à recolha de provas.
Torna-se claro ainda que o caso chegou à CDF não por envolver abusos sexuais, que antes de 2001 não estavam sob a alçada deste dicastério, mas por envolver solicitações no confessionário, uma violação da dignidade dos sacramentos que, essa sim, devia ser tratada na CDF. A natureza desses crimes levantava uma dificuldade acrescida, avisa Bertone, uma vez que o Pe. Murphy estaria impedido de fazer a sua defesa, estando impedido pelo direito canónico de violar o segredo do confessionário sob pena de excomunhão automática.
Sentido, não segredo
Longe de procurar encobrir o caso, Bertone mostra-se chocado pelo facto da diocese ter deixado passar tanto tempo desde que foi alertado para os factos, em 1974, até contactar a CDF. Lamenta ainda o facto de, na altura das primeiras queixas contra o Pe. Murphy, a diocese não ter mantido registos dos procedimentos, outra falha que dificulta em muito um eventual processo.
Apesar de não recomendar, sem contudo proibir, um processo canónico, Bertone diz que os Bispo se deve assegurar que o Pe. Murphy não volte a ter qualquer contacto com a comunidade surda, e que apenas celebre sacramentos com autorização por escrito do bispo.
Recomenda ainda que o Pe. Murphy seja acompanhado e obrigado a fazer um retiro até mostrar genuíno arrependimento pelos seus crimes. Caso não o faça, ou caso viole qualquer das limitações pastorais que lhe foram impostas, deve-se avançar com um novo caso, independentemente da idade e estado de saúde débil do acusado.
Outro erro grosseiro na versão utilizada pelo NYT é a tradução do termo “no sentido estrito” para “em estrito segredo”, dando ideia de que a CDF estaria a recomendar segredo na abordagem do caso quando na verdade se aludia a uma norma do direito canónico, de que as leis que acarretam penas efectivas devem ser interpretadas no sentido mais estrito.
A revelação destes novos dados desmonta por completo a tese quer do NYT quer do Die Zeit, ao mesmo tempo que põe em causa a metodologia de trabalho de ambos os órgãos de comunicação.
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