A revista The Strand Magazine vai começar a publicar um romance inacabado de Graham Greene (1904-1991) que foi encontrado recentemente. Publica-o ao longo de cinco edições, um capítulo por semana, esperando que um autor ou os próprios leitores o completem.
O romance chama-se The Empty Chair, A Cadeira Vazia, e conta a história de um assassinato misterioso. A notícia vem no "Público" de hoje, na última página. “O enredo começa quando Alice Lady Perriham, uma actriz casada com um aristocrata, dá uma festa em sua casa, onde os convidados encontram o corpo do «taciturno, mal-humurado, bruto» Richard Groves, com uma faca espetada no peito”.
Trago-a para aqui por dois motivos, um que tem a ver com o espírito deste blogue e outro de ordem pessoal (mas que se alicerça no primeiro).
O primeiro: O romance foi iniciado em 1926, quando Greene tinha 22 anos. Foi nesse ano que Graham Greene “se converteu ao catolicismo, começou a trabalhar como subeditor no jornal londrino Times e decidiu tornar-se um escritor de sucesso”, diz o "Público". Para este romancista, o catolicismo é importante tanto para a vida (em todos os sentidos, incluindo o mais contraditório, porque abundam referências sobre as suas incoerências entre fé professada e fé vivida, no que diz respeito ao adultério e a outras vivências de cariz sexual) como para a arte. Sem a fé católica não se compreendem os romances “O Poder e a Glória”, “O Fim da Aventura” ou “Monsenhor Quixote”. E talvez por essas mesmas referências católicas se explique o facto de este ser um escritor esquecido, porque, como diz Clara Ferreira Alves (estou a pensar numa crónica do "Expresso"), está preocupado com dilemas que já não lembram a ninguém: o pecado e a graça, o desejo e a fidelidade, a perdição e a salvação… Já não lembram a ninguém, diz ela.
O segundo: Interessei-me por este autor, em finais da década de 1980, por um dia ter lido que em “Monsenhor Quixote” a Trindade era "explicada" à base de garrafas de vinho. Tinha uma vaga noção do catolicismo do autor e isso levou-me a ler durante uns tempos tudo o que encontrava dele, a começar pelo cómico “Monsenhor” (papel amarelo da Europa-América), passando pelo “Nosso Agente em Havana” e os outros acima referidos. Em ambiente de faculdade, eu era pelo Graham Greene, um colega era pelo Morris West e um outro pelo Unamuno. (A seguir vieram os católicos franceses, Bernanos, Mauriac…, mas isso já é outra história). Foi uma fase de tal modo greeniana, que sei onde estava no dia seguinte à morte do romancista inglês. Estava num café que há (havia?) ao pé da estação CP de Tunes, a caminho do Algarve. Nesse Março ou Abril de 1991, com mais alguns escuteiros, ia para uma actividade que o Agrupamento 115 intitulara de “Na Rota do Infante”. Enquanto esperávamos pelo comboio, à noite, li no “Correio da Manhã” do café que Graham Greene tinha morrido. Não sei se posso dizer que fiquei abalado. Mas senti que alguém que me era próximo desaparecia e eu não podia fazer nada. Greene era-me próximo, de uma proximidade feita de ler as suas palavras, uma proximidade que só se consegue quando a leitura raia a obsessão, uma proximidade que eu só viria a sentir em relação a mais três autores (até hoje – um deles também é romancista inglês e é considerado discípulo de Greene). Greene morrera e entretanto chega o comboio e temos de prosseguir viagem. Já com o comboio em andamento, lembro-me de que não paguei a despesa do café. Foi só uma bica, mas ainda um dia destes hei-de voltar ao café de Tunes para saldar a dívida. Graham Greene vai-me lembrando que tenho uma pena a expiar.
Graham Greene morreu no dia 3 de Abril de 1991, informa a Grande Teia. O episódio do café de Tunes deve ter acontecido no dia 4 de Abril de 1991, se o antigo espião tiver morrido antes do fecho da edição daquele Correio da Manhã.