“O ensino da Igreja exprimiu sempre a firme e profunda convicção de que o trabalho humano não diz respeito simplesmente à economia, mas implica também sobretudo valores pessoais”, escreve João Paulo II na “Laborem Exercens”, n.º 15.
Esta frase-síntese lembra que na questão do trabalho, como em todas, a doutrina social tem uma visão personalista. “O trabalho humano é a chave, provavelmente a chave essencial, de toda a questão social, se procurarmos vê-la verdadeiramente sob o ponto de vista do bem da pessoa” (LE 3).
Nesta questão, o principal conflito passa-se entre trabalho (trabalhadores) e capital (detentores dos meios de produção). Iniciou-se com a Revolução Industrial e ainda não foi superado. Continuamos a vivê-lo com mais força nestes tempos de crise económica. Ora a LE diz que neste conflito tem prioridade o trabalho humano (LE 12). Uma consequência imediata deste princípio será o não despedimento de trabalhadores em períodos de dificuldade, algo que as correntes económicas mais liberais dizem que não podem acolher, sob colapso das estruturas produtivas, mas que de algum modo é amparado pelos sistemas se segurança social – os quais são suportados pelos impostos sobre o trabalho e o capital.
Neste contexto a doutrina social da Igreja lembra que o “pleno emprego” continua a ser um ideal que a sociedade deve concretizar. Todos os que podem trabalhar devem, de facto, ter trabalho. Se não há trabalho para todos, é porque o conjunto da sociedade está mal ordenado. Quais as medidas para conseguir trabalho para todos é que já é mais complicado apontar. Os economistas não estão de acordo: há os que dizem que quanto mais fácil for contratar/despedir, mais dinâmica é a economia e mais emprego se gera a prazo (e algumas legislações laborais liberais coexistem com baixas taxas de desemprego); e os que preferem legislação mais protectora do posto de trabalho e de maior apoio no desemprego (e toda a gente conhece casos de desempregados que até nem se importam da situação enquanto o subsídio dura).
A DSI, que não que ser uma terceira via entre capitalismo e socialismo, neste ponto pende claramente para o “elo mais fraco”: o trabalhador. “O papel das instituições [económicas e políticas que determinam o sistema político-financeiro] é actuar contra o desemprego, que é sempre um mal” (LE 18). A LE não fica pelo princípio vago; aponta que deve ser criado um “banco de trabalho”, com planificação global e colaboração internacional (LE 18).
A LE devia ser conhecida pelos trabalhadores cristãos e ainda mais pelos empresários e gestores cristãos – mesmo que os princípios que afirma, com consequências económicas, provoquem discussões (há sectores católicos que praticamente ignoram a doutrina social…). Há na LE, contudo, uma parte sobre a espiritualidade do trabalho que todos devíamos conhecer. Que outra visão do mundo diz que “trabalhar é participar na obra do Criador” (em vez de visões falsamente cristãs que associam o trabalho ao “castigo” bíblico)? Que outra religião ou fé tem na sua origem um artesão, o carpinteiro de Nazaré? Também sobre o trabalho humano, composto de direito e dever, de prazer e fadiga, de esforço e recompensa, incide a luz da Cruz e da Ressurreição de Cristo.