sábado, 17 de setembro de 2011

Eclesiastes versus Pascal

Quem ama o dinheiro jamais se fartará dele.
Ecl 5,9


Eu só gosto do dinheiro, porque me dá a possibilidade de ajudar os outros.
Blaise Pascal

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

17 de Setembro de 1179. Morre Hildegarda de Bingen

Hildegarda de Bingen, uma das mulheres mais influentes da Idade Média, nasceu no dia 16 de Setembro de 1098 e morreu no dia 17 de Setembro de 1179. Algumas fontes dizem apenas que nasceu no Verão de 1098.


Foi monja beneditina. E como monja, escreveu teologia e sermões, compôs música, foi médica. Uma grande intelectual. Morreu perto do Reno, no Mosteiro de Rupertsberg, em Bingen, numa região que é Património da Humanidade.


Sobre ela escreveu Bento XVI há um ano:

Hildegarda manifesta uma variedade de interesses e o dinamismo cultural dos monastérios femininos da Idade Média, diferentemente dos preconceitos que ainda hoje existem sobre essa época. Hildegarda dedicou-se à medicina e às ciências naturais, assim como à música, pois tinha talento artístico. Compôs também hinos, antífonas e cantos, recolhidos com o título Symphonia Harmoniae Caelestium Revelationum (Sinfonia da Harmonia das Revelações Celestes), que eram gozosamente interpretados nos mosteiros, difundindo uma atmosfera de serenidade, e que chegaram até nós. Para ela, toda a criação é uma sinfonia do Espírito Santo, que é em si mesmo alegria e júbilo. 
A popularidade que rodeava Hildegarda levava muitas pessoas a fazer-lhe consultas. Por este motivo, dispomos de muitas de suas cartas. A ela se dirigiam comunidades monásticas de homens e mulheres, bispos e abades. Muitas das respostas continuam sendo válidas para nós. Por exemplo, a uma comunidade religiosa feminina, Hildegarda escreveu: "A vida espiritual deve ser atendida com muita dedicação. No início, o cansaço é amargo, dado que exige a renúncia aos caprichos, ao prazer da carne e a coisas semelhantes. Mas, quando a alma se deixa fascinar pela santidade, experimentará como algo doce e agradável o próprio desprezo do mundo. Só é necessário prestar atenção inteligentemente a que a alma não murche" (E. Gronau,Hildegard. Vita di una donna profetica alle origini dell'età moderna, Milão, 1996, p. 402). 
E quando o imperador Federico Barbarroja provocou um cisma eclesial, opondo 3 antipapas ao Papa legítimo, Alexandre III, Hildegarda, inspirada em suas visões, não hesitou em recordar-lhe que também ele, o imperador, estava submetido ao juízo de Deus. Com a audácia que caracteriza todo profeta, escreveu ao imperador estas palavras da parte de Deus: "Atento, atento a esta malvada conduta dos ímpios que me desprezam! Escuta, rei, se queres viver! Do contrário, minha espada te transpassará!" (ibidem, p. 412). Ler tudo aqui.

Felicidade da credulidade?


Disse George Bernard Shaw para supostamente defender a descrença. Gostando de frases estimulantes, concordo. Na realidade, a felicidade da credulidade aplica-se mais a horóscopos, superstições, práticas ritualistas e crendices do que à fé crítica. Digo "fé crítica" na falta de uma expressão melhor. Fé esclarecida parece demasiado iluminista. Fé genuína, podem ser todas. Fé em diálogo com a razão é algo presunçoso. E a frase de Shaw?
  
O facto de um crente ser mais feliz do que um céptico não é mais pertinente do que o facto de um homem bêbado ser mais feliz do que um sóbrio. A felicidade da credulidade é uma qualidade barata e perigosa.

Não aprecia o Papa, mas quer ser professor na Católica



Notícia do DN de hoje. Por um lado, compreende-se a posição do professor. Como não se há-de criticar o que se bem entender? Por outro lado, é mais do que compreensível a posição da UCP. Como aceitar como professor alguém que critica a Igreja, não sendo sequer católico?


É claro que, sendo professor de filosofia, terá, de certeza, de ensinar filósofos ateus. Mas como ter na própria instituição alguém que não se identifica com ela? Poderá parecer estranho que a UCP não o queira como professor (para isso não deveria ter chegado a classificá-lo em primeiro no concurso), mas também deveria causar alguma esquizofrenia a Porfírio Silva querer ser professor de uma instituição de que manifestamente - é ler o blogue - não gosta.


Para mais, a Católica é criticada em muitos sectores eclesiais por ser pouco católica, principalmente em áreas como a gestão e a economia. E há mesmo quem diga que a católica não devia ter professores ateus. Não sei se tem algum, mas dizem que sim.


Estes meus comentários referem-se apenas a questão, digamos, mais éticas. Do ponto de vista legal, a Católica tem poderes para fazer o que fez.

Salto sobre um abismo

"O Abismo", de Alfons Mucha (1860-1939)


Não é por causa das condições específicas da época actual que a fé parece ser uma coisa problemática ou quase impossível; ela significou sempre, mesmo sob formas por vezes menos nítidas e menos visíveis, um salto sobre um abismo infinito, ou seja, sobre o mundo tangível que se impõe ao ser humano.


Joseph Ratzinger, "Introdução ao Cristianismo" (ed. Principia), pág. 36 

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Asia Bibi e o medo que ensombra os cristãos do Paquistão

No "Público" de hoje, entrevista a Anne-Isabel Tollet, que publicou um livro sobre Asia Bibi, a cristã condenada à morte no Paquistão.


O Tribunal Penal Internacional vai julgar o Papa?


Tommaso Edoardo Frosini, professor de direito público na Universidade Suor Orsola Benincasa, de Nápoles, comenta no “Corriere della Sera” a petição ao Tribunal Penal Internacional para que investigue o papel de líderes da Igreja Católica, incluindo o Papa, nos caos de pedofilia do clero católico (notícias aqui).
O que o Tribunal de Haia vai fazer? 
Sem dúvida, irá declarar o recurso inadmissível. 
Por quê? 
Em primeiro lugar, mais do que um recurso jurisdicional verdadeiro, parece-me uma provocação midiática, para fazer com que volte à tona o caso da pedofilia de alguns membros do clero. Mas qualquer advogado sabe que um recurso desse tipo não tem nenhuma possibilidade não só de ser acolhido, mas também de ser examinado no seu mérito. Por pelo menos dois motivos realmente insuperáveis.
Quais? 
Acima de tudo, do ponto de vista jurídico, o Estado da Cidade do Vaticano é um Estado independente e soberano, que não aderiu ao Estatuto de Roma sobre o Tribunal Penal Internacional. Além disso, a competência do Tribunal é limitada aos crimes que se referem à comunidade internacional como um todo, como o genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra (os chamados crimina iuris gentium) e o crime de agressão. O Tribunal também tem competência complementar à dos Estados individuais e, portanto, só pode intervir se, e somente se, os Estados não querem ou não podem agir para punir crimes internacionais.
Isso quanto à jurisdição. 
Mas há uma ainda um motivo mais substancial. A pessoa do papa goza de uma imunidade absoluta, até dentro dos muros do Vaticano.
Entrevista copiada daqui.

Rowan Williams pensa na reforma

Notícia do "Página 1". O arcebispo Rowan Williams, um grande poeta, com vasta obra publicada, adepto do diálogo ecuménico (um dos livros do dominicano Timothy Radcliffe, que muito tenho citado, foi escolhido para "livro da quaresma" dos anglicanos e recebeu um prémio angicano), está cansado (como boa parte dos bispos portugueses - mas essa é outra história) e teme o desaparecimento da igreja anglicana na Inglaterra, como disse no dia 9 de Julho, na abertura do sínodo anglicano, em York:
 "Esta manhã, os membros do Sínodo têm a rara oportunidade de conversar sobre o que significa para eles ser cristão e para discutir sobre o que se perderia para sempre se a Igreja desaparecesse". 
Para mais, é sabido que não está nada contente com o acolhimento na Igreja católica dos que não concordam com certas mudanças nos anglicanismo.

Intriga internacional

O desafio da Igreja é tornar-se aquele tipo de comunidade que pode falar de Deus de modo convincente, o que quer dizer, um espaço de misericórdia, de admiração recíproca, de alegria e liberdade. Se nos virem como pessoas receosas, com medo do mundo e uns dos outros, como é que alguém poderá acreditar numa só palavra do que dizemos? Uma certa  dose de excentricidade nas nossas vidas deveria surpreender e intrigar as pessoas.


Timothy Radcliffe, "Ser cristão para quê?" (ed. Paulinas), pág. 304

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

14 de Setembro de 1998. João Paulo II publica a encíclica "Fides et ratio"


João Paulo II assinou no dia 14 de Setembro de 1998 aquela que foi a sua penúltima encíclica, "Fides et ratio", sobre as relações entre fé e razão. A encíclica é chamada por alguns "Fisichella et Ratzinger", por ter sido em grande parte elaborada por Rino Fisichella (ordenado bispo uns dias antes da publicação) e cardeal Joseph Ratzinger.
Começa assim:
A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade.
É um documento fundamental para quem estuda teologia e filosofia cristã, mostrando, por um lado, que na teologia cristã sempre houve diálogo, ainda que por vezes tenso, entre fé (Revelação) e razão, que a teologia não pode prescindir da razão e que a filosofia fica coxa, isto é, desorientada e relativista, se não se relacionar com Revelação. Quanto Bento XVI fala em relativismo aproxima-se muito de alguns parágrafos deste encíclica - como o 81:
Deve ter-se em conta que um dos dados mais salientes da nossa situação actual consiste na «crise de sentido». Os pontos de vista, muitas vezes de carácter científico, sobre a vida e o mundo multiplicaram-se tanto que estamos efectivamente assistindo à afirmação crescente do fenómeno da fragmentação do saber. É precisamente isto que torna difícil e frequentemente vã a procura de um sentido. E, mais dramático ainda, neste emaranhado de dados e de factos, em que se vive e que parece constituir a própria trama da existência, tantos se interrogam se ainda tem sentido pôr-se a questão do sentido. A pluralidade das teorias que se disputam a resposta, ou os diversos modos de ver e interpretar o mundo e a vida do homem não fazem senão agravar esta dúvida radical, que facilmente desemboca num estado de cepticismo e indiferença ou nas diversas expressões do niilismo.
Em consequência disto, o espírito humano fica muitas vezes ocupado por uma forma de pensamento ambíguo, que o leva a encerrar-se ainda mais em si próprio, dentro dos limites da própria imanência, sem qualquer referência ao transcendente. Privada da questão do sentido da existência, uma filosofia incorreria no grave perigo de relegar a razão para funções meramente instrumentais, sem uma autêntica paixão pela busca da verdade.
Na perspectiva desta encíclica, só a teologia, isto é, a reflexão crente sobre a Revelação e o transcendente, pode salvar a filosofia do relativismo e, em última análise, do cepticismo e do nihilismo.


Outros acontecimentos deste dia:
- Publicação da encíclica "Laborem exercens", em 1981
- Morte de Adriano VI, em 1523,  último Papa não italiano antes de João Paulo II

A Espanha descristianizando-se

Outro cartune de José Luis Cortés, no dia de hoje. Pode relacionar-se com esta passagem de um livro de Joseph Ratzinger, embora o autor do desenho talvez não goste.

Os oficiais e os condenados

Cartune de Hermano Cortés no dia 10 de Setembro. Blogue aqui.

Queixa no Tribunal Penal Internacional contra o Papa

Duas notícias sobre o mesmo assunto: queixas no Tribunal Penal Internacional contra as altas esferas do Vaticano. A do "Público", a primeira, refere o nome dos visados. A do "Correio da Manhã", a segunda, adianta dois aspectos que já deixam antever o desfecho da acção: o tribunal foi criado em 2002, já depois da maioria dos factos em causa, logo não os pode julgar; e o Vaticano (como os EUA) não reconhece o TPI.


Veremos que seguimento terão as queixas. De qualquer forma, a trapalhada, pensemos na Irlanda, continua. As vítimas não deixam de atribuir responsabilidades aos superiores dos criminosos. Os superiores, implicitamente, dão razão às vítimas, aos emitir normas para evitar e punir os clérigos pedófilos.


Só há uma forma de resolver a situação: assumir que o primeiro responsável e único pela sua própria sexualidade é essa mesma pessoa. Deixar de tutelá-la. Deixar de instrumentalizá-la "em função do Reino", como acontece na minha querida igreja católica.


Verdade e mentiras

Deve dizer-se sempre a verdade, porque, de repente, perdem-se da memória as muitas mentiras.


Konrad Adenauer (1876-1967)

terça-feira, 13 de setembro de 2011

13 de Setembro de 1874. Nasce o compositor Schoenberg

Arnold Schoenberg nasceu no dia 13 de Setembro de 1874, em Viena, e morreu no dia 13 de Julho de 1951, em Los Angeles. Criador do dodecafonismo, ou seja o uso dos doze tons de uma escala como equivalentes, este judeu convertido ao luteranismo e novamente judeu é um dos  compositores mais inovadores do séc. XX. É um Picasso da música. O judaísmo, a Bíblia, inspirou algumas das suas melhores obras, como a ópera inacabada "Moses und Aron" ou o "Salmo 130", o "De profundis".




Coerência pós-oração


Quem pede "Vem, Espírito Santo!", tem de estar preparado para dizer: "Vem e incomoda-me onde tenho de ser incomodado!"


Wilhelm Stählin (1883-1975)

Manuel Pina e o homossexual que se encontra catolicamente casado



No JN de hoje. Apenas ironia do mais recente prémio Camões? Uma manifestação da incompreensão do que é o sacramento católico do casamento? Um problema real - a casuística dos canonistas?


E se pensarmos que o "homossexual puro" - homem ou mulher - segundo a doutrina católica, desde que queira, pode continuar casado com outro/a de sexo diferente?


A grande questão do sacramento do matrimónio, quando a mim, reside nisto: para a Igreja, o que conta é a vontade, mesmo que contradiga o sentimento. Para as pessoas, a maioria, o que conta é a paixão, mesmo que contradiga a razão. Por vezes a igreja ainda pensa que as pessoas pensam como ela pensa que é. E as pessoas dizem que sim, porque gostam de um casamento com aparato. Daí só surgem desencontros e encenações, que é o que acontece em muitos casamentos realizados na Igreja.

O monge que vaticina uma terceira guerra mundial



O monge ortodoxo grego Joseph de Vatopedi, falecido no dia 1 de Julho de 2009 com fama de santidade, profetizou uma terceira guerra mundial, com início num conflito entre a Turquia e a Grécia, velhos rivais. Os turcos agiriam com o apoio dos EUA e da UE e a Grécia teria o apoio da Rússia (também ela, em grande escala, ortodoxa). Com esta guerra que os gregos acabariam por vencer, terminaria a influência da Igreja Católica no mundo. Li aqui.
Obviamente, se trata de una profecía que poco tiene para contrastar con la realidad más allá de los hechos consumados, así que será cuestión de tiempo (como siempre sucede en estos casos) ver si el viejo monje tuvo una premonición o si simplemente se trató de desvaríos seniles.
Acontece é que a Grécia pode entrar em bancarrota antes da guerra. E muito provavelmente vai sobrar para Portugal. O monge pode ser muito santo, mas parece que percebe pouco de política internacional.

Ai os saudosismos da cristandade

E quando nós, os fiéis dos dias de hoje, ouvimos, com alguma inveja, dizer que na Idade Média todos os que por cá andavam eram fiéis, convém lançarmos, com a ajuda da investigação histórica, um olhar também para aquilo que existia nos bastidores daquele tempo. Assim descobriremos que mesmo então havia uma grande massa de oportunistas e um número relativamente pequeno de pessoas realmente engajadas na dinâmica interna da fé. As ciências históricas podem mostrar-nos que, para muitos, a fé não passada de um sistema habitual de formas de vida, de modo que o número daqueles que se davam conta da fascinante aventura que a palavra «creio» na verdade encerra não devia ser maior do que o daqueles que a desconheciam.


Joseph Ratzinger, "Introdução ao Cristianismo" (ed. Principia), pág. 35

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

12 de Setembro de 2003. Morre o cantor Johnny Cash

Johnny Cash, o "man in black" (tinha uma canção com esse título), morreu no dia 12 de Setembro de 2003, aos 71 anos.


Convertido ao cristianismo no final da década de 1960, Cash tinha canções que falavam da busca de sentido - ou espiritual, é o mesmo. Não conhecendo grande coisa da sua obra, gosto especialmente de uma em parceria com os U2, "The wanderer", no álbum Zooropa. Por sinal, Cash dizia que "One", dos U2, canção que gostava de cantar, era uma das melhores de sempre.


"They say they want the kingdom, but they don't want God in it".





I went out walking 
Through streets paved with gold 
Lifted some stones 
Saw the skin and bones 
Of a city without a soul 
I went out walking 
Under an atomic sky 
Where the ground won't turn 
And the rain it burns 
Like the tears when I said goodbye 

Yeah I went with nothing 
Nothing but the thought of you 
I went wandering 

I went drifting 
Through the capitals of tin 
Where men can't walk 
Or freely talk 
And sons turn their fathers in 
I stopped outside a church house 
Where the citizens like to sit 
They say they want the kingdom 
But they don't want God in it 

I went out riding 
Down that old eight lane 
I passed by a thousand signs 
Looking for my own name 

I went with nothing 
But the thought you'd be there too 
Looking for you 

I went out there 
In search of experience 
To taste and to touch 
And to feel as much 
As a man can 
Before he repents 

I went out searching 
Looking for one good man 
A spirit who would not bend or break 
Who would sit at his father's right hand 
I went out walking 
With a bible and a gun 
The word of God lay heavy on my heart 
I was sure I was the one 
Now Jesus, don't you wait up 
Jesus, I'll be home soon 
Yeah I went out for the papers 
Told her I'd be back by noon 

Yeah I left with nothing 
But the thought you'd be there too 
Looking for you 

Yeah I left with nothing 
Nothing but the thought of you 
I went wandering

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...