quinta-feira, 19 de novembro de 2009

"O que resta de Deus", ciclo de conferências no Porto

A pretexto da representação de “Breve Sumário da História de Deus”, o TNSJ-Porto promove um ciclo de conferências no Salão Nobre (entrada gatuita). Chama-se “O que resta
de Deus”. Gostava de não perder nenhuma. Infelizmente, não sei se poderei ir a alguma.

26 Nov
qui 18:30
José Tolentino Mendonça
Armando Silva Carvalho

moderação
Jacinto Lucas Pires

27 Nov
sex 18:30
Ilda David’
Paulo Pereira

moderação
Bernardo Pinto de Almeida

3 Dez
qui 18:30
Clara Pinto Correia
Tiago Cavaco

moderação
Daniel Jonas

4 Dez
sex 18:30
Amélia Polónia
José Augusto Cardoso
Bernardes

moderação
José Luís Ferreira

5 Dez
sáb 17:00
Conversa com
Alexandra Moreira da Silva
Daniel Jonas
D. Manuel Clemente
e Nuno Carinhas

comissário
Pedro Sobrado

Palavras de Jacob depois do sonho, por Ruy Belo

Amei a mulher amei a terra amei o mar
amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar
De muitas delas de resto falei
Não sei talvez eu me possa enganar
foram tantas as vezes que me enganei
mas por trás da mulher da terra e do mar
pareceume
ver sempre outra coisa talvez o senhor
É esse o seu nome e nele não cabe temor
Mas depois deste sonho sou obrigado a cantar:
Eis que o senhor está neste lugar
Porquê não sei talvez uma pequena haste balance
talvez sorria alguma criança
Terrível não é o homem sozinho na tarde
como noutro tempo de esplendor cantei
Terrível é este lugar
Terrível porquê? Não sei bem
Talvez porque o senhor pisa esta terra com os seus pés
(lembrome até de que mandou tirar as sandálias a moisés)
Levanto os dois braços aos céus
Aqui – mulher terra mar –
Aqui só pode ser a casa de deus

Ruy Belo
In Todos os Poemas. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000. p. 209210.

Este poema faz parte do espectáculo "Breve Sumário da História de Deus", que o TNSJ leva à cena a partir de amanhã.


"Breve Sumário da História de Deus" - o cartaz

"Breve Sumário da História de Deus", no Porto

O TNSJ (Teatro Nacional São João - Porto) apresenta de 20 de Novembro a 20 de Dezembro, de terça a sábado às 21h30 e ao domingo às 16h, "Breve Sumário da História de Deus", de Gil Vicente (magnífico título).

Leio no sítio do TNSJ:

Estreado na corte de D. João III “na era do Senhor de 1527”, o auto propõe um especioso mosaico de passos das Sagradas Escrituras – da Queda do Homem à Ressurreição de Cristo – e possui uma densidade retórica que, cruzando a exaltação lírica e o impulso satírico, amplia as potencialidades de representação muito para lá do mero intuito doutrinal. Da adoração de Abel à “voz que clama no deserto” de João Baptista, passando pelas provações de Job ou pelas profecias de Isaías, Vicente promove um casting bíblico para contar (usemos, para efeitos promocionais, o título de um dos blockbusters de Hollywood) a maior história de todos os tempos. Também habitado por figuras malignas e pelas alegorias do Mundo, do Tempo e da Morte, "Breve Sumário da História de Deus" revela-nos, afinal, a misteriosa condição de criaturas cuja desesperada humanidade se redime na esperança de Deus.

Trata-se do primeiro texto encenado no TNSJ sob a direcção artística de Nuno Carinhas.

O Mateus de Caravaggio e o Pai de Lucas

Leio no Equinócio de Outono (aqui, mas em 16/11/2009)...:

No princípio do século XVII foram encomendados a Caravaggio
três quadros sobre S. Mateus (1600-1602) para a Capela Cantarelli, na Igreja de S. Luís dos Franceses, em Roma: não houve qualquer objecção em relação à Vocação de S. Mateus ou ao Martírio, mas não pareceu decoroso às autoridades eclesiásticas um terceiro quadro que apresentava o apóstolo "sentado com uma perna sobre a outra, e os pés nus, grosseiramente expostos à vista do povo". Esse facto obrigou Caravaggio a pintar uma segunda versão de S. Mateus e o Anjo. As duas versões foram pintadas em 1602. A primeira foi destruída em Berlim, em 1945, no contexto da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

...E penso na parábola do filho pródigo que nem é de Mateus, mas de Lucas 15. Um "homem bem" a ter que arregaçar a túnica para correr em direcção ao filho que o tratou mal, mas que regressa a casa, porque, afinal, lá não se passa fome. Não dá jeito nenhum correr de saias compridas. Mas, arregaçando a túnica, fere-se a sensibilidade mais escrupulosa. Mostrar as pernas nuas é um atentado ao pudor. O pai do filho pródigo quer lá saber se fica mal no retrato. Quem é abraçar o filho. Que para ele nunca esteve perdido.

19 de Novembro de 1964. No II Concílio do Vaticano, começa a ser votada a Lumen Gentium

No dia 19 de Novembro de 1964, “depois de devidamente consideradas as modificações propostas”, cerca de 4000, diz a edição do documento em português, o texto definitivo da Lumen Gentium foi sujeito à votação: 2145 votantes; 2134 placet; 10 non placet; 1 nulo. No dia 21 seguinte, a última votação teve o seguinte resultado: 2151 placet e 5 non placet. E Paulo VI promulgou constituição dogmática.

Este documento, o mais importante do Concílio, fala da Igreja (que não é a lumen gentium). Começa assim: “A luz dos povos (lumen gentium) é Cristo”. Abandonando a ideia de que a Igreja é uma sociedade perfeita, consagrou a identidade da Igreja como “povo de Deus” e como “comunhão”. Já não há classes dentro da Igreja (visão piramidal), mas estão todos à volta do mesmo centro, que é Jesus Cristo. Os bispos disseram que é assim. Então, há que caminhar para lá, porque ainda não é assim.

O documento pode ler-se aqui.


Calvin e Hobbes, Calvino e Hobbes


O "Público" de ontem recorda que no dia 18 de Novembro de 1985 apareceu a primeira tira "Calvin e Hobbes". Os nomes inspiram-se em João Calvino (1509-1564) e Thomas Hobbes (1588-1679), respectivamente.
Sempre me interroguei como é que o reformador franco-suíço e o pensador inglês se reflectiriam na banda desenhada. Não fui para além da "visão obscura da natureza humana", que Bill Watterson sugere que Calvino tinha e que Calvin parece assumir com gosto. Quanto a Hobbes, se o filósofo dizia que “o homem é lobo para o homem”, o amigo de Calvin bem pode parafrasear: “O homem é tigre para o homem”. Se for de peluche, tanto melhor.
Ver aqui uma adaptação gráfica ao par reformador/filósofo.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Em carne e osso

Já se consumiram minhas velas
ao pé do crucifixo.
Na rua havia um pobre
com as suas botas desfeitas,
e voltei para rezar ao Cristo de madeira.
Não soube rezar, Senhor,
ao teu Amor, em carne e osso.

Caryll Houselander (1901 – 1954)

18 de Novembro de 1302. Bonifácio VIII publica a bula “Unam Sanctam”


Uma embaixada de Alberto I, rei dos romanos (1298-1308),
confirma os poderes do Papa (aqui)

No dia 18 de Novembro de 1302, Bonifácio VIII publica a bula “Unam Sanctam”, documento em que afirma que tanto o poder temporal como o espiritual estão sob jurisdição do Papa.

Na bula lê-se que “na Igreja e no seu poder há duas espadas, nomeadamente a espiritual e a temporal, porque os apóstolos dizem: «Senhor, estão aqui duas espadas» (Lc 22,38)”.

A última afirmação do documento é esta: “Declaramos, proclamados, definimos que é absolutamente necessário para a salvação que toda a criatura humana esteja sujeita ao Romano Pontífice”.

Em 1301, o Papa mandara colocar mais uma coroa na tiara papal, para simbolizar a superioridade da autoridade espiritual sobre a civil.

A bula significa o ponto máximo das pretensões papais. Os poderes seculares não a aceitam. E os papas, a longo prazo, reconhecem que é excessiva.

Bonifácio VIII (1294-1303), nascido Benedetto Caetani (1235-1303), foi patrono do pintor Giotto. Dante coloca este Papa no Inferno, como punição por causa da simonia.

Milagres, santos, catedrais e mártires no futebol

Manuel António Pina, na “Notícias Magazine” de 15 de Novembro, sobre a visibilidade do futebol na sociedade portuguesa:

“Dependesse, aliás, do governo, e o Futebol seria declarado religião oficial do Estado, ou do estádio, com os seus santos (São Mourinho, São Ronaldo, São Figo); a sua Santíssima Trindade das três equipas «melhor» classificadas; os seus milagres, como o calcanhar de Madger na final de Viena e o canto directo de Morais na finalíssima [de] Antuérpia, não explicáveis pela ciência; e os seus mártires, como Paulo Bento; haveria uma chuteira pendurada nas escolas no lugar dos crucifixos e seriam lidos versículos de A Bola antes de cada aula. Não é já conhecido o Estádio da Luz como «Catedral» e não é Pinto da Costa dito o «Papa»?”

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A influência dos evangelhos no processo “Face Oculta”

Os evangelhos dizem que o que se diz às escuras há-de ser redito à luz do dia e o que se diz ao ouvido há-de ser proclamado sobre os terraços.
Não sei se os envolvidos no caso “Face Oculta” conhecem o preceito. Mas não é assim tão irrelevante, pois, falando ao ouvido, foram escutados. E o primeiro-ministro foi apanhado nas escutas. E agora nem a Procuradoria da República nem o Supremo Tribunal sabem o que saber das escutas. Talvez ainda venham parar à estampa dos jornais, versão moderna dos terraços, cumprindo o tal versículo.
Porém, os evangelhos já têm servido para abordar o caso na imprensa. O “Público” de hoje diz que há um “milagre da multiplicação” das certidões. Independentemente do que significa “certidão” na linguagem jurídica (o processo penal é muito bom para dar emprego aos especialistas em Direito e mau para o cidadão comum, que não tem nenhum doutoramento em Leis e, muito legitimamente, só quer é saber se são culpados ou inocentes, coisa que a névoa jurídica parece pretender evitar), noto que passaram de nove para 12, e continuam a aparecer. Uma das certidões está acompanhada de 146 CD. É muita conversa. Mas ninguém sabe ao certo quantas são. As contagens variam de organismo para organismo. Por isso, o “Público” (página 3 na edição em papel) diz que há um “milagre da multiplicação” das certidões.
Já no "Diário de Notícias", João Miguel Tavares escreve: “Sejamos cristalinos: acreditar que Jesus Cristo andou sobre as águas exige menos fé do que acreditar que as conversas entre Sócrates e Vara têm a inocência de um episódio da Abelha Maia” (aqui).

17 de Novembro de 1717. Começam as obras do Convento de Mafra

No dia 17 de Novembro de 1717 começaram as obras do Convento de Mafra. No início pretendia-se construir um modesto convento para 13 franciscanos. Mas começa a chegar o ouro do Brasil e o edifício final acaba por abrigar um convento para 330 frades e o palácio real, com uma das mais belas bibliotecas da Europa.

A construção empregou 52 mil trabalhadores, sobre projecto do alemão Johann Friedrich Ludwig (nome português: João Frederico Ludovice, 1673 - 1752), arquitecto e ourives.

Passados 265 anos, no dia 17 de Novembro de 1982, José Saramago lançou a obra “Memorial do Convento”.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

"Siz iz God who senz you!" - Histórias e livros que transformam

O homem que conseguiu entrevistar Henrique Galvão depois do assalto ao Santa Maria procurou, pelo mundo, e encontrou Madre Teresa.

Vale a pena ler o texto sobre Dominique Lapierre e sobre o novo livro, que fala da África do Sul, aqui. Mas o que me impressionou foi a parte da Índia, que copio para aqui. O texto é de Paulo Moura, no “Ípsilon” de 13 de Novembro.

“Quando a vi andar pelas ruas dos bairros de lata de Calcutá, e essa onda de amor que chegava das pessoas, que vinham ter com ela, que a queriam tocar, pensei: ‘Ela tem realmente qualquer coisa'". E Dominique imergiu na vida da freira albanesa. Escreveu um livro sobre a independência da Índia ("Esta Noite a Liberdade") e outro sobre um bairro de lata de Calcutá.

"Encontrei ali os verdadeiros heróis da Humanidade. Pensei: ‘Tenho de ser a voz deles'. Fui a uma papelaria, comprei 15 canetas e 5 cadernos, fiquei lá a viver dois anos".

"A Cidade da Alegria", que contava a história dos pobres desse bairro, foi traduzido em muitas línguas e vendeu 9 milhões de exemplares. "Tornou-se um livro de culto porque eu não prego. Não digo: ‘Vejam, nós aqui em Portugal comemos três vezes por dia, e aquelas pessoas só comem de três em três dias'. Odeio esses pregadores. Apenas conto uma história". Mas funcionou. "Recebi 300 mil cartas, de todo o mundo. Houve pessoas que me disseram: ‘Eu tinha decidido cometer suicídio, mas li o seu livro e reencontrei o amor pela vida'. O livro mudou a vida de muitas pessoas".

Mas isso já foi depois de Dominique ter conhecido Madre Teresa e ela lhe ter dito: "Tu podes fazer o mesmo que eu". Ele tinha 50 anos. "Esta Noite a Liberdade" estava a vender bem. Os primeiros "royalties" ascendiam a 50 mil dólares. Dominique pegou nesse dinheiro e dirigiu-se a Calcutá. Encontrou Madre Teresa na missa da manhã. "Madre, sabe de alguma instituição a trabalhar com crianças leprosas que precise de dinheiro?", perguntou.

"Ela olhou para mim e disse, com o seu sotaque albanês: ‘Siz iz God who senz you!' E apresentou-me a um inglês chamado James Stevens que era negociante de camisas e gravatas em Londres e andava de Jaguar, mas um dia decidiu ir para Calcutá, com todo o seu dinheiro, para ajudar as crianças leprosas. Abriu um lar chamado Ressurreição e em 15 anos salvou 10 mil crianças. Mas agora o dinheiro acabara e preparava-se para fechar a instituição. Eu dei-lhe os 50 mil dólares e prometi-lhe que nunca o deixaria fechar a Ressurreição".

Foi Stuart que levou mais tarde Dominique ao bairro de lata chamado Cidade da Alegria. E, em consequência, a montar a sua própria instituição humanitária, depois do êxito do livro. "Comprei um velho ferry boat em Calcutá, reabilitei-o, instalei máquinas a bordo, um pequeno laboratório, uma sala de operações, contratei dois médicos e cinco enfermeiros e começámos a navegar o delta do Ganges".

Mas o hospital flutuante só dava assistência a sete das 54 ilhas, e por isso Dominique comprou mais três barcos. Metade de todos os royalties dos livros, que escreveu e viria a escrever, e todas as doações dos leitores destinam-se a financiar a Fundação Cidade da Alegria. "Em 28 anos, curámos um milhão de doentes de tuberculose. Abrimos dez escolas, concedemos microcréditos".

16 de Novembro de 1949. Morre António Aleixo

O poeta popular António Aleixo morreu no dia 16 de Novembro de 1949, em Loulé. Nascera no dia 18 de Fevereiro de 1899, em Vila Real de Santo António.

Tem uma quadra, com piada (quer dizer, tem muitas), que é assim (e que faz lembrar aqueles comentários de pessoas que se admiram por alguém morrer num acidente rodoviário a caminho de Fátima):

O pára-raios na Igreja
Serve para lembrar aos ateus
Que um cristão, por mais que o seja,
Não tem confiança em Deus!

E também escreveu que…

Morre o rico, dobram sinos;
Morre o pobre, não há dobres...
Que Deus é esse dos padres,
Que não faz caso dos pobres?

Casamento homossexual e a Igreja católica

A questão do casamento homossexual não é consensual, mesmo dentro da Igreja católica, apesar de alguma uniformidade que possa socialmente prevalecer. De qualquer forma, há uma série de equívocos nas afirmações de quem rebate as posições da Igreja.

O artigo de Mário Vieira de Carvalho, no “Público” de ontem (15-11-2009), é um bom exemplo. Podia ser um útil exercício eclesial debater os seus argumentos, um a um. Serviria, também, para alguém que deseja reflectir a partir de uma visão cristã-católica como eu, para perceber como o que a Igreja faz, diz e pensa é interpretado de um modo totalmente diverso do que ela desejaria.

Nesta questão do casamento homossexual, bastará pensar que o que a Igreja diz refere-se não ao casamento católico (que a própria Igreja só permite em determinadas circunstâncias), mas ao casamento civil. Mas é necessário acrescentar que a Igreja sempre quis transmitir à sociedade uma determinada visão social. De certa forma, essa pretensão está nos seus próprios genes. E essa visão fundamenta-se em primeiro lugar na lei natural, aplicável a todos os seres humanos. Quando a Igreja fala para a sociedade não diz: “De acordo com a revelação cristã, nós pensamos que deve ser assim”. Mas antes: “De acordo com a lei natural (princípios que segundo esta própria visão todos poderão aceitar), nós pensamos que deve ser assim”. A relevação cristã vem só num segundo nível. Mas não é nesse que a Igreja se centra essencialmente quando fala para a sociedade.

O que diz Pilar de Río

Comunicar é comunicar-se. Mesmo quando falamos de outras coisas, revelamo-nos nós próprios.

Um excerto do que diz Pilar del Río, mulher de Saramago, em entrevista à “Pública” de ontem:

Pública: Como é que tem assistido à polémica que envolve “Caim”?

Pilar del Río: Esses colunistas de merda, tão jovens, submissos, obsoletos, em vez de pensarem: “Um tipo com 86 anos que enfrenta Deus, que enfrenta a sociedade… Que sorte ter um homem com esta capacidade de rebeldia!”, perguntam: “Quem é? Quem escreve? Não gosto!” Estou indignada de ver o pouco livre que são os jovens, o quão convencionais são, o quão cansados estão. Estão assustados porque José tocou num livro sagrado. Mas quem disse que o livro é sagrado? Que mentes tão pequenas julgam a obra pública. Não conseguem ver a grandeza de uma ponte nem de um ser humano. Têm óculos que lhes deve der para verem o tamanho do seu pénis… pequenino.

domingo, 15 de novembro de 2009

Universidades e crucifixos

Universidade de Notre Dame, no Indiana

A propósito de crucifixos, e uma vez que referi aqui hoje Universidade Georgetown, note-se que entre 1966 e 1999 resolveram pôr crucifixos nas salas de aulas desta universidade. Os quartos do hospital e algumas salas históricas já os tinham há muito tempo, mas a generalidade dos espaços não.

A colocação atraiu a atenção dos média e da opinião pública. Aconteceu então algo curioso. A comunidade católica do campus exigiu a remoção dos crucifixos, mas os líderes das outras crenças defenderam a sua colocação.

Já agora, sobre crucifixos e universidades norte-americanas, não resisto a transcrever duas histórias de Onésimo Teotónio de Almeida (OTA), na “Ler” de Junho de 2008. Espero transcrevê-las sem erros porque há precisamente oito dias copiei uma – aqui – com gralhas e ele escreveu-me um mail simpático a apontá-las.

As histórias têm como referência a University de Notre Dame (salvo erro, aquela em que Obama foi apupado por militantes anti-aborto; fundada em 1842 pela Congregação da Santa Cruz). Diz OTA:

“Na altura [ou seja, há décadas] o seu reitor, o famoso Padre Hesburgh, emergira como verdadeiro jet-set viajando pelo mundo inteiro, pois decidira fazer da sua pequena universidade católica uma Ivy League do «Meio Oeste» americano. Cruzava os espaços aéreos nacional e internacional a mobilizar os antigos alunos (alumni), a ponto de circular por aqui a piada: «Qual a diferença entre Deus e o Padre Hesburgh? Deus está em toda a parte, o Padre Hesburgh em toda a parte está, excepto em Notre Dame»”.

A segunda, esta sim, com um crucifixo:

“Havia que convencer um brilhante físico judeu, recém-doutorado em Harvard, a vir para Notre Dame. Pretendentes eram várias universidades com muitos mais pergaminhos. O Padre Hesburgh interveio. Quis servir de guia na visita que o candidato vinha fazer a inteirar-se da situação in loco antes de se decidir. Percorrido o campus, restava a famosa basílica. A entrada deixou-o em frios suores. «Padre Hesburgh, não lhe disseram que sou judeu?» Irónico, disfarçado de bonomia, o reitor: «E era preciso? Com esse nome, Isaac Choen?! Homem, já sabe que aqui não somos religiosos fanáticos. Temos professores de todos os credos. Creio que isso não constitui qualquer problema».

A visita à igreja, de traça franco-americana, prosseguiu com um Isaac mais calmo a secar na roupa o calafrio. A visita culminou junto do altar onde, à direita, numa coluna, está suspenso um crucifixo. Então o reitor: «Sabe o que aquilo significa?» Hesitando, meio sem jeito, o jovem acena afirmativamente. O Padre Hesburgh insiste como a ver se ele sabe a lição de cor. Isaac esquiva-se: «Claro que sei, mas o senhor saberá muito melhor, pois foi professor de Teologia Católica.» Hesburgh avançou: «Pois, qualquer que seja a versão que lhe tenham passado, creia que aqui em Notre Dame estamos convencidos de que Ele foi crucificado porque… não publicou»”.

Cruzes e crenças ecológicas


Também Alberto Gonçalves escreve sobre os crucifixos, no DN. Diz, a certa altura, que um tribunal britânico deu razão a um trabalhador despedido em nome das respectivas "crenças ecológicas". Se o caso significa o que parece, já esteve mais longe o tempo em que, em nome do laicismo, não podemos ter crenças no sobrenatural, mas podemos ter noutras fés quaisquer naturais. Como dizia Chesterton, o facto de alguém dizer que não acredita em Deus não significa que não acredita em nada. Significa que pode acreditar em qualquer coisa. Ora, Deus ainda é do melhor que há para acreditar em (parafraseando Woody Allen).

O texto:

Quarta-feira, 11 de Novembro
Cruzes, credos

Oitenta e quatro por cento dos italianos discordam do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que dias antes proibira (?) os crucifixos nas escolas públicas do país. Dado o número, é de admitir que os ateus de lá não possuam a fina sensibilidade dos ateus de cá, os quais, através de umas agremiações excêntricas, aplaudem a sentença e pedem a sua imediata importação. Segundo percebi, temem que a ingerência religiosa, assim exposta e abusiva, traumatize as criancinhas.

É capaz de ser um receio exagerado. Não me lembro se na minha sala da "primária" havia crucifixos. Lembro-me de que fora da sala havia uma igreja inteira, que contemplei da janela durante quatro anos. Além da igreja, existiam nas imediações oito capelinhas e uma filial da Santa Casa da Misericórdia. A escola, pública e laica, chamava-se "do Adro" e no adro jogávamos à bola. Contas feitas, marquei inúmeros golos e não sofri qualquer trauma, excepto nas canelas. Nunca experimentei apetites de frequentar a missa ou a catequese, provavelmente porque os meus pais vagueavam naquele tipo de ateísmo em que a religião não chega a ser assunto. Ao contrário dos peculiares ateus que não pensam noutra coisa.

Se querem poupar as criancinhas à imposição religiosa, os progenitores talvez fizessem melhor em ignorar os crucifixos e dirigir o combate para, por exemplo, o "ambientalismo" recorrente nos currículos e "actividades" escolares. Nas cabeças dos petizes, nenhuma cruz na parede tem uma fracção do impacto provocado pela doutrinação de patranhas sobre o "aquecimento global" e o papel do homem nas mudanças climáticas. O "ambientalismo" não é uma religião? É, sim senhor. Se não bastassem os seus mitos e os seus santinhos para o atestar, agora um tribunal britânico deu razão a um trabalhador alegadamente despedido em nome das respectivas "crenças ecológicas". De acordo com o juiz, o "credo ambiental" (sic) merece ser tão protegido da discriminação quanto os credos "tradicionais".

Em suma, estamos oficialmente no domínio da pura fé, com a agravante de que as proezas da Greenpeace não são exactamente o Cântico dos Cânticos e o "documentário" de Al Gore não é o "S. Mateus" de Bach. Não tenho um único argumento favorável à presença dos crucifixos, mas a preocupação com o bem-estar das criancinhas implica resguardá-las de todas as manipulações, sobretudo das ideológicas que, legitimadas pelo espírito da época, tomaram de assalto a "educação" e obrigam a referi-la entre aspas.

Perdida em preciosidades que vão do "ambiente" à educação sexual, passando pelo "multiculturalismo" e pelos enigmas que cabem na "educação cívica", a escola contemporânea abdicou daquilo que a escola do meu tempo, mesmo com uma igreja de Nicolau Nasoni a 50 metros e com doses variáveis de sucesso, ainda tentava: ensinar. Curiosamente, ou poucos protestam tamanha ingerência na liberdade alheia ou poucos os ouvem.


Ou aqui.

"Crucifixos e laicidade", por Bento Domingues

Bento Domingues escreve no Público de hoje que a "separação da esfera civil e política da esfera religiosa e eclesiástica só atinge o seu verdadeiro sentido quando essa separação é posta ao serviço da primazia da consciência e da defesa da liberdade humana".

A questão da laicidade a propósito da polémica dos crucifixos.

"É certo que os processos de laicidade e sua implantação se desenvolveram em confrontações abertas com a religião e com a Igreja, rompendo com a sua abusiva tutela. Apesar dessa beligerância, não se pode esquecer que as noções de pessoa e humanismo, de autonomia e liberdade e direitos humanos ou da própria noção de separação do poder político e religioso só se tornam compreensíveis a partir da tradição cristã e judaico-cristã". (Clicar para ler).

O texto de Bento Domingues também está no Religionline.

15 de Novembro de 1791. Abre portas a mais antiga universidade católica dos EUA

Jack, a mascote da universidade (ver aqui)

Fundada em 1789, ano da Revolução Francesa e da entrada em vigor da Constituição dos EUA, abriu as portas no dia 15 de Novembro de 1791 a Georgetown University, em Washington. É a mais antiga universidade católica nos EUA, dependente dos jesuítas.

Nela estudaram, por exemplo, Bill Clinton e Gloria Arroyo (presidente das Filipinas). São "Hoyas", nome que se dá aos estudantes e às equipas desportivas desta instituição. O primeiro estudante foi o congressista William Gaston (1778-1844). Entrou para a universidade aos 13 anos.

Esta universidade é uma das maiores “produtoras” de voluntários para o Peace Corps (programa estatal de voluntariado fora dos EUA). Quem sai desta universidade e arranja trabalho começa a ganhar, em média, 55 mil dólares por ano.

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...