segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Ele fala, fala, fala, mas não muda a doutrina, queixa-se a "Visão"

Na "Visão" da semana passada, com esperanças de que haja mudanças na doutrina, seja lá o que isso for. Como se um Papa pudesse mudar a doutrina. Ainda se posse a disciplina...

E eu que pensava que a declaração de santidade de João Paulo II tinha que esperar...

Em Julho, o Papa já tinha confirmado os processos de João Paulo II e de João XXIII. A dupla canonização está marcada para 27 de Abril de 2014, dia em que será comemorada a festa da Divina Misericórdia, estabelecida por João Paulo II.

No Público de hoje. E eu que pensava que a declaração de santidade de João Paulo II tinha que esperar, sei lá, uns 20 aninhos...

João César das Neves disseca "o erro de Kant"

(...) O erro de Kant, corolário do erro racionalista de Descartes, está na origem desta sociedade rica e próspera, mas injusta, desorientada, deprimida. Os últimos dois séculos foram espantosos, mas, como o filho pródigo da parábola, o Ocidente esbanjou a vasta herança que exigiu e vê-se a guardar porcos.

Final da crónica de João César das Neves no DN de hoje.

domingo, 29 de setembro de 2013

O Papa das frases coordenadas sucede ao das subordinadas

Diz o cardeal Ravasi que enquanto Bento XVI usava mais frases subordinadas, Francisco usa mais coordenadas. 

Por outras palavras, Bento era mais "que", já Francisco é mais "e". Compreende-se. Um era da escrita; o outro, da oralidade. Um era mais racional; o outro é mais emotivo. O primeiro era mais tímido; o de agora é mais expansivo. Onde um hesitava, o outro é mais direto. Um preferia livros, o outro prefere pessoas. Bento era o intelectual, preferido de professores, filósofos e jornalistas; Francisco é o pastor, preferido de cidadãos em geral, políticos e ateus hesitantes.

Quando Bento foi eleito, comentei com amigos que era um erro eleger um intelectual para Pastor da orbe. Bento nem se saiu mal e eu emendei-me, continuando, no entanto, a criticar a ratzingerização da teologia. Quanto a Francisco, só lhe peço que não faça teologia, coisa que deve estar bem longe dos seus planos. Outros a farão a partir do que ele diz e faz.

Bento Domingues: "Francisco, um amigo lá de casa"

Bento Domingues no "Público" de hoje (amanhã porei aqui o texto na íntegra):
A reforma desejada, na linha aberta por João XXIII, foi sistematicamente adiada em vários domínios e, mais do que isso, contrariada. Os processos instaurados pela Congregação para a Doutrina da Fé ao pensamento cristão mais inovador pareciam querer restaurar um tempo de má memória. A debandada de padres, religiosos, religiosas e militantes católicos foi uma tristeza. Quando se falava da necessidade de um novo concílio, a resposta disponível era sempre a mesma: ainda não foi posto em prática o Vaticano II, como se vai entrar na aventura de um terceiro?
 O próprio "Ano da Fé" serviu para abafar os questionamentos que o cinquentenário do concílio poderia levantar. Optou-se por fazer dele um assunto de arquivo, em vez de uma provocação para o século XXI. 
Bento XVI mostrou-se incapaz de reformar a cúria - a que pertenceu durante muitos anos - e de convocar um novo concílio. Preferiu demitir-se e provocar um conclave electivo, tornando possível outro caminho.

sábado, 28 de setembro de 2013

Leonardo Boff escreve sobre o diálogo Scalfari/Francisco

O ateu Scalfari deixou umas interrogações do Papa, no jornal “La Repubblica”, por ele fundado, e o bispo de Roma respondeu. Leonardo Boff, em carta ao diretor, comentou o diálogo Scalfari/Francesco.
(...) Para Francisco, não é relevante se Scalfari é ou não crente, porque cada um tem a sua própria história e o seu caminho, mas é importante a capacidade de estarmos abertos à escuta. Nas palavras do grande poeta espanholAntonio Machado, "a tua verdade? Não, a Verdade. E vem comigo buscá-la. A tua, guarda-a contigo". Mais importante do que saber é nunca perder a capacidade de aprender. Esse é o sentido do diálogo.
...
Nesse sentido, como eu já escrevi a Francisco, é urgente a um Concílio Vaticano III, aberto a todos os cristãos e não somente aos católicos, a todas as pessoas, até mesmo ateias, que possam nos ajudar a analisar as ameaças que pairam sobre o planeta e como enfrentá-las. As mulheres, em primeiro lugar, já que é a própria vida que está sendo ameaçada. O Cristianismo é um fenômeno ocidental. Ele deve encontrar o seu espaço na nova fase da humanidade, na fase planetária. Só assim pode ser uma Igreja de todos e para todos.
Ler tudo aqui.

Papa na "Sábado"

Capa da "Sábado" desta quinta-feira.

Anselmo Borges: "O que pensa Francisco: 7. sobre a morte"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:

Para o Papa Francisco, a morte não é tabu. "Quando somos novos, não olhamos tanto para o fim, valorizamos mais o momento. Mas lembro-me de dois versinhos que a minha avó me ensinou: "Olha que Deus te está a ver, olha que te está olhando; olha que hás-de morrer e que não sabes quando." Passados 70 anos, não consigo esquecê-los. Ela inculcava-me a consciência de que tudo acaba, de que devemos deixar tudo bem. No meu caso, penso todos os dias que vou morrer. Não me angustio por isso, porque o Senhor e a vida prepararam-me. Vi morrer os meus antepassados, e agora é a minha vez. Quando? Não sei."

Deus é o Deus da vida e não da morte. Bergoglio segue a leitura teológica tradicional: "O mal entrou no mundo através da astúcia do Demónio, que sentiu inveja, porque Deus fez o homem como o ser mais perfeito. Por isso o Demónio entrou no mundo. Na nossa fé, a morte é uma consequência da liberdade humana. Fomos nós, através dos nossos pecados, a optar pela morte, que entrou no mundo, porque criámos espaço para a desobediência ao plano de Deus. Entrou também o pecado, como soberba face aos planos do Senhor, e com ele a morte."

Não queremos morrer, temos medo e angústia. "A morte é um despojamento, por isso se vive com angústia. Estamos agarrados à vida e não queremos ir. Até o mais crente sente que o estão a despojar, que tem de abandonar parte da sua existência, da sua história. São sensações intransferíveis." O próprio Jesus sentiu angústia. "Disso ninguém se salva. Mas eu acredito que Deus nos agarra com a sua mão quando estamos prontos a dar o salto. Teremos de nos abandonar nas mãos do Senhor; sozinhos não conseguiríamos aguentar."

A vida é um caminho e é a esperança que estrutura o nosso caminho. Um dos perigos é "apaixonarmo-nos pelo caminho e perdermos de vista a meta"; o outro é "o quietismo: ficar a olhar para a meta e não fazer nada pelo caminho."

É preciso, pois, assumir o caminho e nele desenvolver a nossa criatividade, o nossos trabalho de transformação do mundo. Não estamos encerrados em nós: recebemos uma herança e temos de entregar uma herança, o que constitui "uma dimensão antropológica e religiosa extremamente séria, que fala de dignidade". A vida e a morte lutam corpo a corpo, no sentido biológico, mas sobretudo em relação à forma como se vive e morre. "Nos Evangelhos, aparece o tema do Juízo Final e de uma forma vinculada ao amor. Para os cristãos, o próximo é a pessoa de Cristo."

Então, a meta, que é a vida do Além, "gera-se aqui, na experiência do encontro com Deus, começa no assombro do encontro. Acreditamos que existe outra vida, porque começamos a senti-la aqui. Contudo, não por via de um sentimento suave, mas por um assombro através do qual Deus se nos manifesta." Os primeiros cristãos "associavam a imagem da morte à da esperança e usavam a âncora como símbolo".

A morte está sempre presente como possibilidade, mas tem um vínculo indissolúvel com a velhice. "A amargura do idoso é pior do que qualquer outra, porque não tem retorno." Por outro lado, se, antes, falávamos de opressores e oprimidos, incluídos e excluídos, hoje "temos de acrescentar outra antinomia: os que entram e os que estão a mais. Estamos a habituar-nos ao facto de que existem pessoas descartáveis, e, entre elas, os idosos têm um lugar muito importante". São muitos os que "abandonam quem lhes deu de comer, quem os educou, quem lhes limpou o traseiro. Dói-me, faz--me chorar por dentro. E nem vale a pena falar daquilo a que chamo eutanásia encoberta: o tratamento indevido dado aos idosos nos hospitais e nas instituições de assistência social, a quem não dão os medicamentos e a atenção de que necessitam."

Olhar para o idoso é ver o caminho de vida até mim. É preciso perceber que sou mais um elo, que "teremos de honrar aqueles que nos precederam e fazermo-nos honrar por aqueles que nos vão seguir, a quem teremos de transmitir a nossa herança." Referindo-se a si, com 74 anos, diz: "Estou a preparar-me e quereria ser vinho envelhecido, não vinho passado."

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Leonel Moura e a tentação fundamentalista: "Os católicos não são diferentes. Basta dar-lhes poder."

Este texto não é sobre Amália


No seu texto semanal de opinião no "Jornal de Negócios", Leonel Moura (de certeza que todos conhecem pelo menos uma das obra deste artista, aqui reproduzida) escreve:
Pois não tenhamos ilusões. Não há nenhuma religião que, tendo oportunidade, não queira submeter tudo e todos à sua crença e aos seus dogmas. Os católicos não são diferentes. Basta dar-lhes poder.
Isto foi no dia 20 de setembro. E, de vez em quando, tenho pensado nisto. A versão católica do cristianismo é, como ele dá a entender, geneticamente totalitária? Se olharmos para textos do Vaticano II, só para usar uma referência próxima, sem ir aos evangelhos, e, julgo eu, consensual, vemos que há uma ampla defesa da liberdade de expressão e opinião (Inter mirifica e principalmente Dignitatis Humanae), da liberdade de crença (Dignitatis Humanae, Unitatis redintegratio, Nostra Aetate), do direito de participação e de liberdade política (Gaudium et spes), só para referir alguns aspetos. Poder-se-á ser católico, hoje, sem defender as liberdades cívicas, os direitos, as garantias? Não me parece. E, no entanto, parece-me igualmente que o catolicismo não está completamente liberto da tentação fundamentalista e totalitária.

Manuel Alegre gosta do Papa Francisco. Até ver.

O Papa é o  "único" líder mundial "a dizer aquilo que deve ser dito", diz Manuel Alegre. Já a estátua do cónego Melo, em Braga, não deveria ter sido erguida. Li aqui.

Os outros e Ele

Muitos homens foram intensamente amados nos tempos passados. Sócrates, pelos seus discípulos; Júlio César, pelos seus legionários; Napoleão, pelos seus soldados. Mas hoje esses homens estão inexoravelmente esquecidos, nenhum coração palpita pelas suas pessoas, ninguém daria a sua vida, nem as suas riquezas, por eles, ainda que os seus ideais sejam propugnados por outros. E mesmo que não se partilhem os seus ideais, ninguém pensa em blasfemar contra Sócrates, Júlio César ou Napoleão, porque as suas pessoas não têm eficácia e pereceram.

Giuseppe Riccioni

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Jesus Cristo foi o primeiro homem no mundo a tweetar, diz Ravasi


"Jesus usou o tweet antes de todos, com as suas frases cheias de essência e que tinham menos de 45 caracteres, por exemplo 'Amai-vos uns aos outros'", disse o cardeal Ravasi, "ministro da Cultura" do Papa Francisco na sessão romana do Pátio dos Gentios com jornalistas. Li aqui no "Público". Notícia da Ecclesia aqui.

Faltou dizer, acrescento eu, que um dos tweets de Jesus falava do símbolo do twitter: "Olhem os passarinhos. Não semeiam e Deus cuida deles" (52 caracteres).



A resposta de Bento XVI a Odifreddi no "La Repubblica"


Esta é a resposta de Bento XVI a Odifreddi, no "La Repubblica" de ontem. (Que bom! Um texto emeritopapal para pensar). O texto será publicado na íntegra num novo livro do matemático ateu. Vale a pena ler. Há muito mais - e mais interessante - do que o que ontem aqui referi, como comentou um leitor. Copiei-o do Unisinos (Brasil). Parece que não sabem que Magellan é Magalhães e acrescentei uns subtítulos para identificar os assuntos.
Ilustríssimo Senhor Professor Odifreddi, (...) gostaria de lhe agradecer por ter tentado até o último detalhe se confrontar com o meu livro e, assim, com a minha fé; é exatamente isso, em grande parte, que eu havia intencionado com o meu discurso à Cúria Romana por ocasião do Natal de 2009. Devo agradecer também pelo modo leal como tratou o meu texto, buscando sinceramente prestar-lhe justiça. 
O meu julgamento acerca do seu livro, no seu conjunto, porém, é em si mesmo bastante contrastante. Eu li algumas partes dele com prazer e proveito. Em outras partes, ao invés, me admirei com uma certa agressividade e com a imprudência da argumentação. (...)
Teologia não é ficção científica 
Várias vezes, o senhor me aponta que a teologia seria ficção científica. A esse respeito, eu me admiro que o senhor, no entanto, considere o meu livro digno de uma discussão tão detalhada. Permita-me propor quatro pontos a respeito de tal questão:

1. É correto afirmar que "ciência", no sentido mais estrito da palavra, só a matemática o é, enquanto eu aprendi com o senhor que, mesmo aqui, seria preciso distinguir ainda entre a aritmética e a geometria. Em todas as matérias específicas, a cientificidade, a cada vez, tem a sua própria forma, segundo a particularidade do seu objeto. O essencial é que ela aplique um método verificável, exclua a arbitrariedade e garanta a racionalidade nas respectivas modalidades diferentes.

2. O senhor deveria ao menos reconhecer que, no âmbito histórico e no do pensamento filosófico, a teologia produziu resultados duradouros.
Teologia e razão 
3. Uma função importante da teologia é a de manter a religião ligada à razão, e a razão, à religião. Ambas as funções são de essencial importância para a humanidade. No meu diálogo com Habermas, mostrei que existem patologias da religião e – não menos perigosas – patologias da razão. Ambas precisam uma da outra, e mantê-las continuamente conectadas é uma importante tarefa da teologia.
Ficção nas ciências 
4. A ficção científica existe, por outro lado, no âmbito de muitas ciências. Eu designaria o que o senhor expõe sobre as teorias acerca do início e do fim do mundo em Heisenberg, Schrödinger, etc., como ficção científica no bom sentido: são visões e antecipações para chegar a um verdadeiro conhecimento, mas são, justamente, apenas imaginações com as quais tentamos nos aproximar da realidade. Além disso, existe a ficção científica em grande estilo, exatamente dentro da teoria da evolução também. O gene egoísta de Richard Dawkins é um exemplo clássico de ficção científica. O grande Jacques Monod escreveu frases que ele mesmo deve ter inserido na sua obra seguramente apenas como ficção científica. Cito: "O surgimento dos vertebrados tetrápodes (...) justamente tem sua origem do fato de que um peixe primitivo 'escolheu' ir a explorar a terra, sobre a qual, porém, ele era incapaz de se deslocar, exceto saltitando desajeitadamente e criando, assim, como consequência de uma modificação do comportamento, a pressão seletiva graças à qual se desenvolveriam os membros robustos dos tetrápodes. Entre os descendentes desse audaz explorador, desse Magellan da evolução, alguns podem correr a uma velocidade de 70 quilômetros por hora..." (citado segundo a edição italiana de Il caso e la necessità, Milão, 2001, p. 117ss.).
Clero e pedofilia 
Em todas as temáticas discutidas até agora, trata-se de um diálogo sério, para o qual eu – como já disse repetidamente – sou grato. As coisas são diferentes no capítulo sobre o sacerdote e a moral católica, e ainda diferentes nos capítulos sobre Jesus. Quanto ao que o senhor diz sobre o abuso moral de menores por parte de sacerdotes, eu só posso reconhecer – como o senhor sabe – com profunda consternação. Eu nunca tentei mascarar essas coisas. O fato de que o poder do mal penetra a tal ponto no mundo interior da fé é para nós um sofrimento que, por um lado, devemos suportar, enquanto, por outro, devemos, ao mesmo tempo, fazer todo o possível para que casos desse tipo não se repitam. Também não é motivo de conforto saber que, segundo as pesquisas dos sociólogos, a porcentagem dos sacerdotes réus desses crimes não é mais alta do que a presente em outras categorias profissionais semelhantes. Em todo caso, não se deveria apresentar ostensivamente esse desvio como se se tratasse de uma imundície específica do catolicismo.
Mal e bem na Igreja 
Se não é lícito calar sobre o mal na Igreja, também não se deve silenciar, porém, sobre o grande rastro luminoso de bondade e de pureza, que a fé cristã traçou ao longo dos séculos. É preciso lembrar as figuras grandes e puras que a fé produziu – de Bento de Núrsia e a sua irmã Escolástica, Francisco e Clara de Assis, Teresa de Ávila e João da Cruz, aos grandes santos da caridade como Vicente de Paulo e Camilo de Lellis, até a Madre Teresa de Calcutá e as grandes e nobres figuras da Turim do século XIX. Também é verdade hoje que a fé leva muitas pessoas ao amor desinteressado, ao serviço pelos outros, à sinceridade e à justiça. (...)
O método histórico-crítico, Jesus e a sua historicidade 
O que o senhor diz sobre a figura de Jesus não é digno do seu nível científico. Se o senhor põe a questão como se, no fundo, não soubesse nada de Jesus e como se d'Ele, como figura histórica, nada fosse verificável, então eu só posso lhe convidar de modo decidido a tornar-se um pouco mais competente do ponto de vista histórico. Recomendo-lhe, para isso, sobretudo os quatro volumes que Martin Hengel (exegeta da Faculdade de Teologia Protestante de Tübingen) publicou juntamente com Maria Schwemer: é um exemplo excelente de precisão histórica e de amplíssima informação histórica. Diante disso, o que o senhor diz sobre Jesus é um falar imprudente que não deveria repetir. O fato de que na exegese também foram escritas muitas coisas de escassa seriedade é, infelizmente, um fato indiscutível. O seminário norte-americano sobre Jesus que o senhor cita nas páginas 105ss. só confirma mais uma vez o que Albert Schweitzer havia notado a respeito da Leben-Jesu-Forschung (Pesquisa sobre a vida de Jesus), isto é, que o chamado "Jesus histórico" é, em grande parte, o espelho das ideias dos autores. Tais formas mal sucedidas de trabalho histórico, porém, não comprometem, de fato, a importância da pesquisa histórica séria, que nos levou a conhecimentos verdadeiros e seguros sobre o anúncio e a figura de Jesus. 
(...) Além disso, devo rejeitar com força a sua afirmação (p. 126) segundo a qual eu teria apresentado a exegese histórico-crítica como um instrumento do anticristo. Tratando o relato das tentações de Jesus, apenas retomei a tese de Soloviev, segundo a qual a exegese histórico-crítica também pode ser usada pelo anticristo – o que é um fato incontestável. Ao mesmo tempo, porém, sempre – e em particular no prefácio ao primeiro volume do meu livro sobre Jesus de Nazaré – eu esclareci de modo evidente que a exegese histórico-crítica é necessária para uma fé que não propõe mitos com imagens históricas, mas reivindica uma historicidade verdadeira e, por isso, deve apresentar a realidade histórica das suas afirmações de modo científico também. Por isso, também não é correto que o senhor diga que eu estaria interessado somente na meta-história: muito pelo contrário, todos os meus esforços têm o objetivo de mostrar que o Jesus descrito nos Evangelhos também é o Jesus histórico real; que se trata de história realmente ocorrida. (...)
Deus, liberdade, amor e mal 
Com o 19º capítulo do seu livro, voltamos aos aspectos positivos do seu diálogo com o meu pensamento. (...) Mesmo que a sua interpretação de João 1, 1 seja muito distante da que o evangelista pretendia dizer, existe, no entanto, uma convergência que é importante. Se o senhor, porém, quer substituir Deus por "A Natureza", resta a questão: quem ou o que é essa natureza. Em nenhum lugar, o senhor a define e, assim, ela parece ser uma divindade irracional que não explica nada. Mas eu gostaria, acima de tudo, de fazer notar ainda que, na sua religião da matemática, três temas fundamentais da existência humana continuam não considerados: a liberdade, o amor e o mal. Admiro-me que o senhor, com uma única referência, liquide a liberdade que, contudo, foi e é o valor fundamental da época moderna. O amor, no seu livro, não aparece, e também não há nenhuma informação sobre o mal. Independentemente do que a neurobiologia diga ou não diga sobre a liberdade, no drama real da nossa história ela está presente como realidade determinante e deve ser levada em consideração. Mas a sua religião matemática não conhece nenhuma informação sobre o mal. Uma religião que ignore essas questões fundamentais permanece vazia.
Franqueza que ajuda o conhecimento a crescer 
Ilustríssimo Senhor Professor, a minha crítica ao seu livro, em parte, é dura. Mas a franqueza faz parte do diálogo; só assim o conhecimento pode crescer. O senhor foi muito franco e, assim, aceitará que eu também o seja. Em todo caso, porém, avalio muito positivamente o fato de que o senhor, através do seu contínuo confronto com a minha Introdução ao cristianismo, tenha buscado um diálogo tão aberto com a fé da Igreja Católica e que, apesar de todos os contrastes, no âmbito central, não faltem totalmente as convergências.

Com cordiais saudações e com todos os melhores votos para o seu trabalho.

Defesa improvável do pecado original por Alain de Botton

A religião tem mantido utilmente uma visão sóbria, algo que o mundo secular tem sido demasiado sentimental e cobarde para aceitar, sobre as nossas possibilidade de superarmos os factos brutais das nossas naturezas corrompidas.

Alain de Botton, pág. 181 de "Religião para Ateus"

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Bento XVI responde sobre pedofilia ao matemático ateu

Bento XVI, sim, esse, o emérito, escreveu no “La Repubblica” (no mesmo mês, dois papas escrevem neste jornal!) para responder ao matemático ateu Piergorgio Odifreddi, que no seu livro “Caro papa, ti scrivo” (“Caro Papa, escrevo-te”) criticara as atitudes – mais falta de atitudes, no entender do crítico – de Bento XVI face à pedofilia do clero.

Bento XVI respondeu:
“O facto de o poder do mal penetrar até este ponto no mundo interior da fé é para nós um sofrimento que, por um lado, não podemos suportar e, por outro, nos obriga a fazer todo o possível para que incidentes deste tipo não voltem a repetir-se”.
E ainda:
“Nunca tentei encobrir estas coisas”.
E mais isto:
“Se não é lícito calarmo-nos perante o mal dentro da Igreja, também não o é perante o grande rasto luminoso da bondade e da pureza que a fé cristã deixou atrás de si ao longo dos séculos”.
Fonte disto: Público de hoje.

Jornada de um homem desde a manjedoura

Ao contar a jornada de um homem desde a manjedoura, o cristianismo conta uma história quase universal acerca do destino da inocência e da docilidade num mundo turbulento. A maior parte das pessoas são cordeiros que necessitam de bons pastores e de um rebanho misericordioso.


Alain de Botton na pág. 223 do seu "Religião para ateus"

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Bento Domingues: "Católicos não cristãos"

Texto de Bento Domingues no "Público" de ontem.

Liberdade sem sensatez

A nossa ruína reside na incapacidade de aproveitarmos ao máximo a liberdade que os nossos antepassados conquistaram para nós com tanta dificuldade ao longo de três séculos. Fartámo-nos de podermos fazer o que queremos sem sensatez suficiente para tirar partido da liberdade que usufruímos.

Alain de Botton na página 77 de "Religião para ateus"

domingo, 22 de setembro de 2013

Anselmo Borges: "O que pensa Francisco: 5. sobre a política"

Texto de Anselmo Borges no DN de ontem:


O Papa Francisco não é ingénuo em relação aos políticos e ao poder, sobretudo nas mãos de medíocres. Ainda cardeal de Buenos Aires, contava uma piada. "Uma pessoa aparecia a correr a pedir socorro. Quem o perseguia? Um assassino? Um ladrão? Não..., um medíocre com poder. É verdade: pobres dos que estão sob o domínio do medíocre. Quando um medíocre acredita e lhe dão um pouco de poder, pobres dos que estão sob a sua alçada.O meu pai dizia-me sempre: "Cumprimenta as pessoas quando fores subindo, porque irás encontrá-las quando vieres a descer. Não duvides"."

No entanto, somos todos animais políticos. Já Papa, respondeu a uma pergunta sobre a formação dos jovens: "Envolver-se na política é uma obrigação para o cristão. Enquanto cristãos não podemos lavar as mãos como Pilatos. Temos de nos meter na política, porque a política é uma das formas mais altas da caridade, pois procura o bem comum. Os leigos cristãos devem trabalhar na política. A política está muito suja, mas eu pergunto: "Está suja porquê?" Porque os cristãos não se meteram nela com espírito evangélico? É uma pergunta que eu faço. É fácil dizer que a culpa é dos outros... Mas eu, o que é que faço? Isto é um dever! Trabalhar para o bem comum é um dever para um cristão."

Então, o que se passa para que a política se tenha tornado suja? Os políticos pensam mais nos seus interesses e nos dos partidos do que no bem comum. E "todos temos tendência para ser subornáveis". Quando um agente da polícia manda parar um automobilista por excesso de velocidade, "é provável que a primeira frase a ouvir--se seja esta: "Como podemos resolver o assunto?" Faz parte da nossa natureza, temos de lutar contra esta tendência para a recomendação, para a cunha, para nos porem em primeiro lugar na lista." E há a tendência para "o pecado do carreirismo". E há a desinformação: "Hoje, cada órgão de comunicação social monta algo diferente com dois ou três dados: desinforma." E hoje importa mais a imagem do que as propostas políticas: "Já Platão dizia, em A República, que a retórica está para a política como a cosmética para a saúde." Isto é "um pecado contra a cidadania". Vivemos numa sociedade de sofistas, na qual as pessoas gostam de ser enganadas por discursos belos e falazes.

O cardeal acrescentava que a sua família materna é do lado radical e lembrava as conversas do avô, carpinteiro, com o senhor Elpidio, vendedor de anilinas. Afinal, tratava-se de Elpidio González, que fora vice-presidente da nação. "Ficou-me gravada a imagem desse antigo vice--presidente que ganhava a vida como vendedor. É uma imagem de honestidade."

É preciso trazer a ética para a política: urge reabilitá-la. Precisamente porque "o amor social se expressa na actividade política para o bem comum", é "necessário reverter o seu desprestígio". Essencial é o diálogo: "Diálogo, diálogo, diálogo." O poder tem a sua legitimação última no serviço do bem comum.

E a Igreja? Deve anunciar e promover os valores e denunciar as injustiças e a violação dos direitos humanos: aí, o padre ou o bispo estão "a profetizar, a exortar, a catequizar a partir do púlpito". Isto é política com maiúscula. "O religioso tem a obrigação de definir os valores, as linhas de comportamento, da educação." "O risco que os padres e os bispos devem evitar é o de caírem no clericalismo, que é uma posição viciada do religioso." "A Igreja defende a autonomia das questões humanas", não lhe competindo, por exemplo, pronunciar-se sobre como o médico deve fazer uma operação. Na política, é preciso respeitar uma "laicidade saudável", que respeite as diferentes competências. "O que não é bom é um laicismo militante, que toma uma posição contra a Transcendência ou exige que o religioso não saia da sacristia. A Igreja transmite os valores, e eles que façam o resto."

Religião e política estão ao serviço da comunidade. O religioso serve as dimensões humanas para o encontro com Deus e a plenitude da pessoa e, assim, "não é errado a religião dialogar com o poder político; o problema é quando se associa a ele para fazer negócios por baixo da mesa". Ora, tem havido de tudo.

Bento Domingues: "Católicos não cristãos"

Bento Domingues, no "Público" de hoje, fala dos "católicos não cristãos". Um excerto, que o texto todo estará cá amanhã:
Que se entende aqui por católico não cristão? Para o teólogo Martín G. Ballester, de quem recebi esta designação, trata-se de alguém que se atribui o título de católico de forma excludente. Considera-se a medida do verdadeiro católico e só pode ser católico quem for como ele. Católico é o seu pronto-a-vestir. Segundo Ballester, esses católicos costumam ser beligerantes. Reforçam a sua identidade na condenação do outro, isto é, naquilo que os separa. Procuram inimigos seja onde for, pois o que lhes dá vida é precisamente o inimigo. Além de beligerantes são intransigentes, incapazes de reconhecer algo de bom em quem não pensa como eles.

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...