quarta-feira, 31 de julho de 2013

Baptista-Bastos é capaz de ir à missa de Francisco

Mais um franciscólogo instantâneo, Baptista Bastos, no DN de hoje.

Comecei a contar as asneiras - factuais, teológicas, de interpretação, ideológicas - e desisti na dezena. É ler para ver. E rir. Lá para o fim há coisas mais acertadas.

Ele até regressou ao "Por que não sou cristão", de Bertrand Russell, um livro (sim, li-o em adolescente e foi das primeiras obras que me fez tomar consciência de que para ser ateu culto é preciso estar informado sobre religião) que tem argumentos contra o cristianismo deste calibre: O cristianismo não pode ser divino porque Jesus disse aos discípulos que voltaria antes de eles chegarem aos confins de Israel. Ora, eles demorariam quando muito um mês a cumprir tal tarefa e Jesus ainda não voltou.

Estou a citar de cor, mas não estou a inventar. O argumento vem lá, em Russell, matemático de grande nível, sem dúvida, e insólito Nobel da Literatura. Mas o melhor é ler o senhor do laço.


Homossexuais: Novidade de conteúdo e novidade de atitude

A maior parte da imprensa laica destacou as palavras do Papa sobre os homossexuais: "Se alguém é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para o criticar?"

Na peça do El Mundo que citei (aqui), era essa frase que surgia em primeiro lugar. A generalidade dos jornalistas vaticanistas - não vai no avião do Papa qualquer um e não vão os jornalistas que "não percebem nada de religião" - deu destaque a esse assunto.

Depois disso, diversos comentadores católicos vieram dizer que não havia nada de novo nessas palavras, que a seguir o Papa disse para ler o Catecismo nesse capítulo, que... É verdade que não há novidade no conteúdo, estritamente falando (mas desde quando é que o critério da novidade de conteúdo serve para destacar o que um Papa diz? Eles não andam propriamente preocupados com as novidades de conteúdo). Mas há novidade de atitude. Algum dia alguém ouviu um Papa falar deste modo sobre os homossexuais?

E se as palavras do Papa forem levadas a sério - ou seja: deixar de haver críticas aos homossexuais que "procuram o Senhor e têm boa vontade" - continua tudo na mesma nas comunidades cristãs? O conteúdo não será novo, mas as atitudes mudarão muito. E, se tanto se criticam os católicos não praticantes, talvez se deixe se ter na mente que os homossexuais católicos só podem ser homossexuais não praticantes.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Casamentos de uma vida inteira. Ou mais.


Há dias, um jornal dizia que tinha surgido em Portugal um sítio eletrónico para os casados cometerem infidelidades. E já levava não sei quantas mil inscrições. Julgo que trinta mil. Na "2", do "Público" de domingo, surgiu entretanto uma das mais belas capas dos últimos tempos.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Bento Domingues: "Os trabalhos do Papa Francisco"

No "Público" de ontem.

Francisco: "Se alguém é gay, procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para o criticar?"

"Si una persona es gay y busca al Señor y tiene buena voluntad, ¿quién soy yo para criticarlo?". Palabra de Francisco, quien ayer dejó con la boca abierta a los 71 periodistas que viajábamos con él en el avión que le llevó de vuelta a Roma al concluir su viaje a Río de Janeiro.

Ler aqui, em espanhol, o que Francisco conversou com os jornalistas no regresso a Roma.

Desproporção

As questões abordadas pelos antigos teólogos a propósito do modo de vida de Cristo refletem com frequência essa desproporção entre os dados sagrados vividos ou imaginados e os testemunhos evangélicos.


Christian Duquoc

domingo, 28 de julho de 2013

Bento Domingues: "Os trabalhos do Papa Francisco"

Início do texto de Bento Domingues no "Público" de hoje:

Para muita gente, o que parece é e, ao que parece, temos dois papas. Vestem-se ambos de branco, usam ambos um solidéu branco, os sapatos são diferentes. Um escreve a encíclica para o outro a publicar com a sua assinatura, mas declarando que não foi ele que a escreveu. O seu a seu dono, sem se saber quem é o dono. Os meios de comunicação informaram que, para a viagem ao Rio de Janeiro, o Papa Francisco foi-se aconselhar com o ex-Bento XVI. Quem andava assustado com o desembaraço deste Papa, gosta de saber que ele se aconselha com a sisudez de Ratzinger. Para os tempos que correm e para enfrentar os lobos do Vaticano, dois papas não são de mais.
Esta parece conversa de quem não quer que se toque no poder da Cúria, nas vergonhas do Banco do Vaticano e se distrai com um regime de indulgências a bom preço e de fácil acesso, a qualquer hora e lugar: basta ver, escutar e twittar.

Se vieres visitar a minha sepultura...

"Se vieres visitar a minha sepultura, não te espantes de ver o monumento a dançar. Pega no teu tamborete, porque a tristeza não fica bem no banquete de Deus".

Poema  de Abdullah Anri de Herat, poeta sunita do séc. XI, na sepultura do padre dominicano francês Serge de Beaurecueil. Lido em "Imersos na vida de Deus", de Timothy Radcliffe.

sábado, 27 de julho de 2013

Anselmo Borges: "Os três estádios da existência e o combate da fé"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:

Deixou uma obra filosófica importante, um dos fundamentos das posteriores filosofias da existência - é dele o adjectivo "existencial". Refiro-me a Sören Kierkegaard, cujo segundo centenário se celebra este ano - nasceu em Copenhaga em 1813.

O que lhe interessava não era o saber na sua pureza teórica, mas como agir e viver. Escreveu: "O que no fundo me falta é ver claro em mim mesmo, saber o que hei-de fazer e não o que hei-de conhecer, excepto na medida em que o conhecimento deve preceder a acção. Trata-se de compreender o meu destino, descobrir aquilo que Deus no fundo quer de mim, encontrar uma verdade que seja tal para mim, encontrar a ideia pela qual possa viver e morrer."


Contra Hegel, cujo eco ouviu em Berlim, argumentou que não há um sistema da existência e do indivíduo. Ora, o decisivo é o indivíduo e a sua interioridade, a liberdade, a possibilidade, a angústia, o desespero, a salvação, numa decisão intransferível. Como dirá Unamuno, "eu sou único e não há outro eu no mundo", como também não há outro tu ou outro ele/ela.


É célebre a sua definição da existência humana como "uma relação que se relaciona consigo mesma ou, por outras palavras, como o que na relação faz com que a relação se relacione consigo mesma". É decisiva esta auto-referência, que é, inevitavelmente, hetero-referente. De facto, "uma relação que se relaciona consigo mesma -portanto, um eu -, tem que ter-se posto a si mesma ou ter sido posta por outro". Ora, a existência humana não se põe a si mesma e, por isso, a auto-relação é, necessariamente, relação a outro, o autor da relação, Deus, numa relação única de "comunicação existencial".


A existência está colocada perante três possibilidades fundamentais, a que chamou "estádios", não no sentido cronológico e lógico de passagem sucessiva de um a outro, mas de atitudes ou modos de existência. Seja como for, a passagem de um a outro não se dá dialecticamente, mas por um "salto" que transforma radicalmente a existência.


O estádio estético (do grego aisthesis, sensação, sensibilidade) tem a sua figura no Don Juan e caracteriza-se pela busca saltitante do gozo imediato das sensações, no instante fugidio da conquista, de prazer em prazer. Esta via da repetição hedonista desemboca no sentimento de frustração e melancolia e pode levar ao desespero. Pode dar-se então o salto para o estádio ético, empenhando a liberdade própria e assumindo a seriedade da existência, no cumprimento do dever e da responsabilidade, concretamente na relação estável e fiel com o outro no casamento. Mas, aqui, o indivíduo ainda está sob a lei geral. Só no estádio religioso o indivíduo se encontra verdadeiramente a si próprio e à sua singularidade no "abandono mais absoluto" a Deus, o totalmente Outro. O religioso é "o sério, e o sério é: o único". "Tornar-se cristão é a coisa mais decisiva que um homem pode tornar-se", pois resolve o seu "paradoxo": no tempo, decidir e encontrar a eternidade.


A fé tem o seu modelo em Abraão a quem Deus mandou sacrificar o filho. Segundo a exegese, o que o texto diz é que Deus põe termo aos sacrifícios humanos. Aliás, Kant, confrontado com o tema, escreveu que Abraão deveria ter dito a Deus que não era seguro que a voz que ouvia fosse de Deus, mas era certo que não devia matar. Kierkegaard, porém, coloca-se noutro plano: o do combate da fé, numa luta de vida e de morte com Deus. Deus põe à prova a fé de Abraão e o seu amor, quer ver se realmente O ama. Abraão, por sua vez, põe também Deus à prova: dispõe-se a matar o filho, mas, se Deus não intervier, só pode tornar-se ateu. Deus interveio. A fé e o amor são levados ao paroxismo.


Luterano, foi crítico ácido da Igreja oficial dinamarquesa: "Na sumptuosa catedral, eis que aparece o Reverendíssimo e Venerabilíssimo pregador da Corte, o eleito do grande mundo, e aparece perante um círculo de uma elite e prega com emoção sobre este texto que ele mesmo escolheu: "Deus escolheu o que é humilde e desprezado no mundo" - e ninguém se põe a rir." Mas, já à beira da morte, foi-lhe perguntado se acreditava em Jesus Cristo. E ele (cito de cor): "Sim. Em quem haveria de acreditar nesta hora?"

O Além de tudo

Ó Tu, o Além de tudo,
Como chamar-te por outro nome?

Gregório de Nazianzo

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Francisco, o diabo e o mal

Cartune do "Público" de hoje

O DN traz a seguinte afirmação, logo a abrir a peça, que me fez pensar que o Papa Francisco finalmente é claro sobre a existência do diabo:
O papa Francisco apelou hoje [24 de julho, ler online aqui] aos fiéis para não perderam a esperança, afirmando que ainda que o diabo exista, Deus é o mais forte, e colocando ainda o povo latino-americano sob a proteção da Virgem de Aparecida.
Só com esta afirmação, parecia-me claro que "diabo" deixava de ser uma representação simbólica do mal para poder ser uma força pessoal, um ser, como afirma a DTDD (doutrina tradicional do diabo e do demónio). E o DN prosseguia:
"Ainda que o diabo, o mal, exista, não é o mais forte, o mais forte é Deus", disse o papa Francisco durante a celebração da missa no Santuário de Aparecida, no interior de São Paulo, a cerca de 200 quilómetros do Rio de Janeiro.
Mas agora já temos uma dissonância em relação à DTDD, que alguns gostam tanto de ver refletida nas palavras de Francisco. De acordo com a frase, o diabo é o mal. Ou então: "mal" esclarece o que Francisco pensa que é o diabo, podendo nós presumir que não se trata do ser pessoal da DDTD, mas do mal cuja existência e efeitos todos notamos, sendo o diabo símbolo de todo o mal. Na realidade, segundo a DDTD, mal e diabo não se equivalem, não são intermutáveis. O diabo está ao serviço do mal, dedicado ao mal, mas não é o mal. Ora, na teologia franciscana, diabo e mal equivalem-se, bem na linha do que propõem alguns teólogos e exegetas: interpretar as referências bíblicas (principalmente neotestamentárias) ao diabo como sendo alusões ao mal (o demónio é outra coisa).

Mas o que disse mesmo Francisco? Vamos ver o que vem no sítio do Vaticano (texto na íntegra aqui):
A segunda leitura da Missa apresenta uma cena dramática: uma mulher – figura de Maria e da Igreja – sendo perseguida por um Dragão – o diabo - que quer lhe devorar o filho. A cena, porém, não é de morte, mas de vida, porque Deus intervém e coloca o filho a salvo (cfr. Ap 12,13a.15-16a). Quantas dificuldades na vida de cada um, no nosso povo, nas nossas comunidades, mas, por maiores que possam parecer, Deus nunca deixa que sejamos submergidos. Frente ao desânimo que poderia aparecer na vida, em quem trabalha na evangelização ou em quem se esforça por viver a fé como pai e mãe de família, quero dizer com força: Tenham sempre no coração esta certeza! Deus caminha a seu lado, nunca lhes deixa desamparados! Nunca percamos a esperança! Nunca deixemos que ela se apague nos nossos corações! O “dragão”, o mal, faz-se presente na nossa história, mas ele não é o mais forte. Deus é o mais forte, e Deus é a nossa esperança! É verdade que hoje, mais ou menos todas as pessoas, e também os nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer. Frequentemente, uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros.

Parece-me claro que temos todos os elementos para interpretar o diabo, "o dragão", como símbolo do mal e não como um ser pessoal (anjo) dedicado a tentar-nos.

E o mesmo se diga do amor

Uma amizade que pode acabar nunca foi uma verdadeira amizade.

Aelredo de Rievaulx

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Virginia Woolf horrorizada com a conversão de T. S. Elliot



T. S. Eliot com Virginia Woolf. A da direita é Vivienne, mulher de Eliot. A foto é de 1932. A conversão foi em 1927. Talvez Woolf tivesse mudado de ideias

Virginia Woolf ficou horrorizada quando descobriu que T. S. Eliot se tornara cristão:

Tive uma entrevista vergonhosa e difícil com o pobre e querido Tom Eliot que, de hoje em diante, se poderá dizer morto para nós. Tornou-se anglo-católico, acredita em Deus e na imortalidade, e vai à igreja. Fiquei realmente horrorizada. Um cadáver parecer-me-ia mais credível do que ele. Creio que há algo de obsceno numa pessoa viva, que se senta à lareira e acredita em Deus.

Lido em "Imersos na vida de Deus", de Timothy Radcliffe, das Paulinas.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Francisco quer ler livro de Boff

No DN de hoje, entre as várias notícias do Papa no Brasil, está esta acima. O Papa quer ler o mais célebre livro de Leonardo Boff, precisamente o que mais conflito criou na relação com a Congregação para a Doutrina da Fé, então comandada por Ratzinger. A notificação da CDF sobre esse livro está aqui. Então Francisco ainda não leu este clássico da teologia? Não acredito. E deve haver vários exemplares lá pelos arquivos do Vaticano.

Na realidade, uma notícia do "Público" de segunda-feira diz outra coisa. O que Francisco quer ler é "Francisco de Assis e Francisco de Roma: uma nova primavera na Igreja?" Ver notícia abaixo. Boff cheio de esperança.


O que é surpreendente

O que é surpreendente, para nós que acreditamos que Jesus era o Cristo, não são os milagres da vida pública, mas a ausência de milagre durante a vida oculta.

Mauriac

terça-feira, 23 de julho de 2013

Camisolas para Francisco. Agora dos clubes brasileiros

O Papa chegou ao Brasil ontem e teve milhares de pessoas à espera dele mais uma camisola de futebol. Desta vez do Fluminense.

O arquirrival Flamengo antecipou-se e ofereceu uma em Roma.


Fotos de Abola.pt (a de cima) e da revista Veja, que aqui tem mais uma série de camisolas de futebol papais.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Bento Domingues: "Paciência com Deus (3)"

Texto de Bento Domingues no "Público" de ontem.

Os corninhos de Francisco


A "Time", nas suas várias edições (mas não na dos EUA) de 29 de julho, pôs Francisco na capa. Não é a primeira fez. Quando foi eleito, também lá apareceu. A polémica está em que os duas pontas do M parecem dois corninhos sobre Francisco. E logo neste Papa que de vez em quando fala do diabo.

Já agora, a outra capa "Time" de Francisco:



E se quiser ver os Papas que apareceram na capa desta revista, quando foram eleitos, clique aqui.

David vencido

Deus gigante! Vê, envergonhada, fraca e nua,
Esta criança que te desafia: nem sua funda tem pedra
E seus joelhos estão feridos por antigas orações,
O meu desejo - este David que quer ser vencido.

François Mauriac

domingo, 21 de julho de 2013

Uma frase de Bento Domingues no "Público" de hoje. Fé, muleta ou cajado?

Nós ainda estamos a caminho. A fé cristã — ao contrário da religiosidade natural, fácil e despreocupada — é sempre uma fé em processo de ressurreição. Encontra-se em fases muito diversas, ao longo das nossas vidas. O comentário irónico de que a fé é uma muleta para fracos e coxos, dispensável pelos fortes, pode ser, apenas, um expediente de conversa. Prefiro a metáfora de cajado do peregrino, que todos somos.

Bento Domingues

Público, 21-07-2013

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...