sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Vaticano II e o diálogo interreligioso


Narciso Machado sobre o Vaticano II e especialmente o documento Nostra Aetate, sobre o diálogo entre religiões. No "Público" de hoje. 

Nobel da Paz para a União Europeia. Concordo, tanta paz é milagre


Nobel da Paz para a União Europeia. Sem entrar nas políticas atuais, acho que é mais do que merecido pelos 50 anos de paz. Nações que durante um milénio só estiveram umas décadas em paz (se contarmos os conflitos internos e internacionais das grandes nações como Alemanha, França, Itália, Espanha, Inglaterra), há 50 anos que discutem e discordam sem nunca pegar em armas. Se não é milagre num conjunto de países que tem uma bandeira de Nossa Senhora, não sei o que é.

Notícia do "Público" aqui.


Sobre a "bandeira de Nossa Senhora", leia-se:
Origem da bandeira.
Os protestantes que não gostam da bandeira.

Tolentino Mendonça: A forma do cristianismo em mudança

Texto de Tolentino Mendonça, na Agência Ecclesia.

O teólogo Karl Rahner escreveu que “A Igreja tem sido conduzida pelo Senhor da história para uma nova época”. Não se trata só de baixas drásticas nos indicadores estatísticos quando se compara a atualidade com aquele que já foi o quadro da vivência da Fé. A questão é bem mais complexa. Talvez o que o nosso tempo descobre, mesmo entre convulsões e incertezas, seja um modo diferente de ser crente, traduzido de formas alternativas nas suas necessidades, buscas e pertenças. Não estamos perante o crepúsculo do cristianismo, como defendem aqueles que se apressam a chamar pós-cristãs às nossas sociedades. Quem não se apercebe que o radical lugar do cristianismo foi sempre a habitação da própria mudança não o colhe por dentro. Mas há eixos que se vão tornando suficientemente claros para que seja cada vez mais um dever os enunciarmos e contarmos com eles. Podem-se apontar três:

Primeiro, os cristãos regressam à condição de “pequeno rebanho”. Com a evaporação de um cristianismo que se transmitia geracionalmente como herança inquestionada, os cristãos voltam a sê-lo por decisão pessoal, uma decisão muitas vezes em contra-corrente, maturada de modo solitário em relação aos círculos mais imediatos de pertença. Já não é de modo previsível que nos tornamos cristãos. Isso acontece e acontecerá cada vez mais como uma opção e uma surpresa.

Depois, à medida que se assiste a um enfraquecimento da inscrição institucional das Igrejas no horizonte da sociedade redescobrimos o valor e as possibilidades de uma presença discreta no meio do mundo. Em tantas situações, nesta diáspora cultural onde estamos semeados, a única palavra verosímil é a do testemunho de uma vida vivida com simplicidade e alegria no seguimento de Jesus.

E, em terceiro lugar, esta grande mudança epocal mostra-nos que precisamos recuperar aquilo que Karl Rahner chama o “santo poder do coração”. Os cristãos são chamados a viver a amizade como um ministério. “Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,17). Há, de facto, uma revelação do cristianismo que só a prática da amizade é capaz de proporcionar. E nisto, o mundo, que pode até perder-se em equívocos sobre os cristãos, não se engana. Mesmo se for um único instante de contacto o que tivermos, tal basta para deixar transparecer uma amizade.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Bento XVI no Vaticano II, há 50 anos: "Foi um dia maravilhoso"



Bento XVI escreveu sobre o dia 11 de outubro de 1962, o início do Vaticano II. Começa assim: “Foi um dia maravilhoso”. No entanto, há pouco de memórias pessoais sobre o dia em que há 50 anos começou o II Concílio do Vaticano. Vale a pena ler. Extraí daqui o que me pareceu mais relevante. O títulos negritos sãos meus.

Um concílio convocado sem problemas concretos. Os concílios anteriores tinham sido quase sempre convocados para uma questão concreta à qual deviam responder; desta vez, não havia um problema particular a resolver. Mas, por isso mesmo, pairava no ar um sentido de expectativa geral: o cristianismo, que construíra e plasmara o mundo ocidental, parecia perder cada vez mais a sua força eficaz. Mostrava-se cansado e parecia que o futuro fosse determinado por outros poderes espirituais. Esta perceção do cristianismo ter perdido o presente e da tarefa que daí derivava estava bem resumida pela palavra «atualização»: o cristianismo deve estar no presente para poder dar forma ao futuro. Para que pudesse voltar a ser uma força que modela o porvir, João XXIII convocara o Concílio sem lhe indicar problemas concretos ou programas. Foi esta a grandeza e ao mesmo tempo a dificuldade da tarefa que se apresentava à assembleia eclesial.

Bélgica, França e Alemanha abrem caminhos. Obviamente, cada um dos episcopados aproximou-se do grande acontecimento com ideias diferentes. Alguns chegaram com uma atitude mais de expectativa em relação ao programa que devia ser desenvolvido. Foi o episcopado do centro da Europa – Bélgica, França e Alemanha – que se mostrou mais decidido nas ideias. Embora a ênfase no pormenor se desse sem dúvida a aspetos diversos, contudo havia algumas prioridades comuns. Um tema fundamental era a eclesiologia, que devia ser aprofundada sob os pontos de vista da história da salvação, trinitário e sacramental; a isto vinha juntar-se a exigência de completar a doutrina do primado do Concílio Vaticano I através duma valorização do ministério episcopal. Um tema importante para os episcopados do centro da Europa era a renovação litúrgica, que Pio XII já tinha começado a realizar. Outro ponto central posto em realce, especialmente pelo episcopado alemão, era o ecumenismo: o facto de terem suportado juntos a perseguição da parte do nazismo aproximara muito os cristãos protestantes e católicos; agora isto devia ser compreendido e levado por diante a nível de toda a Igreja. A isto acrescentava-se o ciclo temático Revelação-Escritura-Tradição-Magistério. Entre os franceses, foi sobressaindo cada vez mais o tema da relação entre a Igreja e o mundo moderno, isto é, o trabalho sobre o chamado «Esquema XIII», do qual nasceu depois a Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo. Atingia-se aqui o ponto da verdadeira expectativa suscitada pelo Concílio. A Igreja, que ainda na época barroca tinha em sentido lato plasmado o mundo, a partir do século XIX entrou de modo cada vez mais evidente numa relação negativa com a era moderna então plenamente iniciada. As coisas deviam continuar assim? Não podia a Igreja cumprir um passo positivo nos tempos novos? Por detrás da vaga expressão «mundo de hoje», encontra-se a questão da relação com a era moderna; para a esclarecer, teria sido necessário definir melhor o que era essencial e constitutivo da era moderna. Isto não foi conseguido no «Esquema XIII». Embora a Constituição pastoral exprima muitos elementos importantes para a compreensão do «mundo» e dê contribuições relevantes sobre a questão da ética cristã, no referido ponto não conseguiu oferecer um esclarecimento substancial.

Liberdade religiosa. Inesperadamente, o encontro com os grandes temas da era moderna não se dá na grande Constituição pastoral, mas em dois documentos menores, cuja importância só pouco a pouco se foi manifestando com a receção do Concílio. Trata-se antes de tudo da Declaração sobre a liberdade religiosa, pedida e preparada com grande solicitude sobretudo pelo episcopado americano. A doutrina da tolerância, tal como fora pormenorizadamente elaborada por Pio XII, já não se mostrava suficiente face à evolução do pensamento filosófico e do modo se concebia como o Estado moderno. Tratava-se da liberdade de escolher e praticar a religião e também da liberdade de mudar de religião, enquanto direitos fundamentais na liberdade do homem. Pelas suas razões mais íntimas, tal conceção não podia ser alheia à fé cristã, que entrara no mundo com a pretensão de que o Estado não poderia decidir acerca da verdade nem exigir qualquer tipo de culto. A fé cristã reivindicava a liberdade para a convicção religiosa e a sua prática no culto, sem com isto violar o direito do Estado no seu próprio ordenamento: os cristãos rezavam pelo imperador, mas não o adoravam. Sob este ponto de vista, pode-se afirmar que o cristianismo, com o seu nascimento, trouxe ao mundo o princípio da liberdade de religião. Todavia a interpretação deste direito à liberdade no contexto do pensamento moderno ainda era difícil, porque podia parecer que a versão moderna da liberdade de religião pressupusesse a inacessibilidade da verdade ao homem e, consequentemente, deslocasse a religião do seu fundamento para a esfera do subjetivo. Certamente foi providencial que, treze anos depois da conclusão do Concílio, tivesse chegado o Papa João Paulo II de um país onde a liberdade de religião era contestada pelo marxismo, ou seja, a partir duma forma particular de filosofia estatal moderna. O Papa vinha quase duma situação que se parecia com a da Igreja antiga, de modo que se tornou de novo visível o íntimo ordenamento da fé ao tema da liberdade, sobretudo a liberdade de religião e de culto.

Religiões não-cristãs. O segundo documento, que se havia de revelar depois importante para o encontro da Igreja com a era moderna, nasceu quase por acaso e cresceu com sucessivos estratos. Refiro-me à declaração Nostra aetate, sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs. Inicialmente havia a intenção de preparar uma declaração sobre as relações entre a Igreja e o judaísmo – um texto que se tornou intrinsecamente necessário depois dos horrores do Holocausto (shoah). Os Padres conciliares dos países árabes não se opuseram a tal texto, mas explicaram que se se queria falar do judaísmo, então era preciso dedicar também algumas palavras ao islamismo. Quanta razão tivessem a este respeito, só pouco a pouco o fomos compreendendo no ocidente. Por fim cresceu a intuição de que era justo falar também doutras duas grandes religiões – o hinduísmo e o budismo – bem como do tema da religião em geral. A isto se juntou depois espontaneamente uma breve instrução relativa ao diálogo e à colaboração com as religiões, cujos valores espirituais, morais e socioculturais deviam ser reconhecidos, conservados e promovidos (cf. n. 2). Assim, num documento específico e extraordinariamente denso, inaugurou-se um tema cuja importância na época ainda não era previsível. Vão-se tornando cada vez mais evidentes tanto a tarefa que o mesmo implica como a fadiga ainda necessária para tudo distinguir, esclarecer e compreender. No processo de receção ativa, foi pouco a pouco surgindo também uma debilidade deste texto em si extraordinário: só fala da religião na sua feição positiva e ignora as formas doentias e falsificadas de religião, que têm, do ponto de vista histórico e teológico um vasto alcance; por isso, desde o início, a fé cristã foi muito crítica em relação à religião, tanto no próprio seio como no mundo exterior.

Barretes amarelos


Conde de Oeiras

Apócrifa ou não, num livro que ando a ler sobre a Inquisição [“A Inquisição. O Reino do Medo”, de Toby Green, na Presença], volto a encontrar esta história:
Diz-se que, em 1773, [o Marquês de Pombal] ficara irritado com uma proposta de D. José I; tal como os reis que o antecederam e os que se lhe seguiram, sugerira que quem tivesse antepassados judeus devia usar um barrete amarelo. Uns dias depois, Pombal entrou no paço real com três barretes debaixo do braço. Como era de prever, D. José mostrou-se admirado e perguntou para que serviam; Pombal respondeu que estava apenas a obedecer às ordens reais. «Mas por que me trazeis três?», teria perguntado D. José, ao que o ministro respondeu: «Um é para mim, outro para o inquisidor-geral e o terceiro é para o caso de Nossa Majestade desejar cobrir a cabeça».
Este blogue tem sido invadido por comentários que são promoção de valium, viagra e outros medicamentos não necessariamente começados por "v". Quase todos os textos, às centenas nos últimos dias, são reconhecidos como spam. E ainda bem. Porém, nos últimos dias, também alguns comentários não-spam foram lidos pelo blogger como se fossem spam. Vou ver o que posso fazer para mudar a situação. E um pedido de desculpa a quem comentou e não vi o seu comentário publicado.

Da democracia em todo o lado

Churchill dizia que a democracia é o pior dos regimes à excepção de todos os outros (fui ver e o que disse mesmo foi: "Democracy is the worst form of government except from all those other forms that have been tried from time to time"; discurso na Câmara dos Comuns, no dia 11 de novembro de 1947).

Abbé Pierre, que com certeza sabia que não há ditaduras que não sejam abomináveis, disse, em 1990, citando um amigo, mais ou menos o mesmo por outras palavras: "Como dizia um dos meus velhos amigos que fora parlamentar durante muito tempo, «é preciso que a ditadura seja uma coisa abominável para ser pior do que a democracia»".

É bom lembrar estas duas frases nestes tempos de crispação - e mesmo exasperação - democrática. Na realidade, não há democracias serenas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Poder de Deus

Afonso Annes, um trabalhador cristão-velho do Porto, foi acusado à Inquisição em 1559. Motivo: dizia "não poder estar Deus no ceo e na Igreja" ao mesmo tempo.

Terá a Inquisição considerado que o portuense limitava o poder de Deus ou tê-lo-á julgado como anticlerical?

Embate entre Paulo VI e a Cúria Romana


Paulo VI e D. Pericle Felici

Faz amanhã 50 anos que começou o II Concílio do Vaticano. Entretanto, decorre o sínodo dos bispos sobre a nova evangelização. A grande figura que une estes dois acontecimentos, por ter concluído o primeiro e ter inventado o segundo, é Paulo VI.

Gianni Gennari , no "Vatican Insider", num texto em que diz que a Cúria Romana pode, no fundo, boicotar os desejos e decisões dos bispos (os sínodos só são consultivos), conta uns episódios curiosos sobre o embate entre Paulo VI e a Cúria Romana. Texto todo aqui. Mais uma vez, a grandeza de Paulo VI.

No verão de 1963, exatamente três meses após a sua eleição ao pontificado, portanto no dia 21 de setembro, falando com a Cúria Romana, ele [Paulo VI] afirmou que se o Concílio então em andamento prospectasse a ideia de "associar alguns representantes do episcopado de um certo modo e para certas questões (…) ao Chefe supremo da própria Igreja (...) seguramente não será a Cúria Romana que se oporá a isso".

Quem conhece a história daqueles tempos e a história pessoal de Giovanni Battista Montini entende também o não dito dessa expressão. Ele se tornara papa há três meses e sabia bem que "a Cúria Romana" em grande parte não havia sido entusiasta da sua eleição. Era aquela Cúria Romana que sempre o havia considerado como um vigiado especial e que 10 anos antes o havia afastado de Roma, enviando-o certamente a Milão, a diocese italiana mais importante, mas sem prover a sua elevação à púrpura cardinalícia. Em 1958, recém-eleito papa, João XXIII imediatamente havia agido, como primeira nomeação, para preencher esse vazio...

E mais: eu me lembro de um episódio significativo. No momento da eleição de Paulo VI (21 de junho de 1963), foi forte o desconforto em alguns ambientes da Cúria, e mesmo um homem da Igreja muito estimado, de grande cultura e de grande espiritualidade, Dom Pericle Felici, então "secretário-geral do Concílio" em andamento, muito estimado por João XXIII, que o quisera nesse papel até a antepreparação do evento, chegou a comentar diante de testemunhas: "Para nós – e ele se referia aos homens da Cúria Romana – realmente acabou!".

Essa era a realidade nas previsões humanas, que, na verdade, eram muito humanas, e eu posso contar o seguinte, com testemunhas ainda vivas: alguns dias depois da sua eleição, Paulo VI recebeu em audiência justamente os homens da Cúria Romana, e uma das primeiras coisas que ele fez quando se encontrou diante da multidão dos curiais foi chamar Dom Felici pessoalmente para perto dele. Este se aproximou, e o papa o abraçou e, na frente de todas, pediu que continuassem ajudando-o na difícil tarefa de levar adiante o Concílio, reconfirmando-o no posto de secretário-geral. É inútil lembrar que o pobre Felici chorou na frente de todos!

 Gianni Gennari

Os contemplativos são como glaciares

Os contemplativos podem parecer inúteis. Na realidade, nos momentos mais dramáticos da vida espiritual interior ou coletiva do mundo inteiro são como glaciares. Nada neles é inerte. Tudo estala por todos os lados. Não cessa a vida. É debaixo do glaciar que jorram as torrentes que fazem os nossos rios e as nossas águas mais puras. Elas são o sal da terra... Nós somo s sopa... E a sopa, sem sal, não presta...


Abbé Pierre, 1991

Ilha rodeada por um mar de ignorância

Vivemos numa ilha rodeada por um mar de ignorância. À medida que cresce a ilha do nosso conhecimento, também cresce a costa da nossa ignorância.

John Wheeler, físico falecido em 2008, citado por Miguel Esteves Cardoso no "Público" de hoje

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Hildegarda não queria misturar-se com outras mulheres

Iluminura da obra "Scivias", de Hildegarda

Hildegarda de Bingen (1098-1179; foi contemporânea da fundação de Portugal; tinha 45 anos em 1143; será que ouviu falar deste país?), a nova doutora da Igreja, é apreciada por feministas, mas só q.b. O texto de António Marujo, no “Público” de domingo, aqui postado, também dá isso a entender. Porquê? Talvez porque – e este é um aspeto que não tem sido referido nas notícias sobre esta nova doutora – Hildegarda, oriunda de uma família da pequena nobreza, opunha-se à entrada de mulheres do povo nos conventos beneditinos. Pensava que havia que preservar o privilégio de nobreza quando, por esta altura, já os mosteiros masculinos mais influentes tinham abandonado as ideias de privilégio de nascimento. Os dois mosteiros que Hildegarda fundou acolheram meninas e mulheres nobres.

As duas as leis que regem as sociedades

São apenas duas as leis que regem as sociedades. A lei de ódio e de morte, que se dedica a servir em primeiro lugar o mais poderoso. E a lei da paz e da vida, que quer servir em primeiro lugar o mais sofredor.

Abbé Pierre

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

"A inventora da lavanda é doutora da Igreja", no Público de ontem





Texto de António Marujo, na "2" ("Público") do dia 7 de outubro.

Roma interessa. Notícia da "Flash"

Roma interessa. Notícia da "Flash".

João César das Neves: A surpresa do Concílio


João César das Neves escreve no DN de hoje sobre "A surpresa do Concílio" (aqui).


Na próxima quinta-feira passa o cinquentenário de uma das realizações mais espantosas da humanidade. O início do 21.º concílio ecuménico da Igreja Católica constitui um acontecimento decisivo para os fiéis mas, mesmo em termos meramente históricos, é um facto ímpar.

Primeiro porque envolve uma das instituição mais notáveis da humanidade. Não só é a maior comunidade religiosa mas, em certo sentido, é também a maior, mais antiga e influente organização de sempre. Só que, como dizer isto criaria irritação em certos sectores, será mais pacífico afirmar que constitui indiscutivelmente uma das mais vastas e relevantes instituições mundiais.

Mais surpreendente, praticamente inédito, é que tal entidade possa entrar voluntariamente num processo de profunda reforma interna. É raríssimo que organizações desta dimensão e influência consigam sequer simples reestruturações, quanto mais esforços desta magnitude. A coisa fica ainda mais incrível ao notar que o projecto foi provocado, não por necessidade premente ou acontecimento externo, mas por intuição profética de um homem providencial. Isto faz que, até na longa lista dos concílios, o último seja único.

A Igreja Católica é sem dúvida a instituição mais reformada de sempre. Os sete primeiros concílios trataram da pureza da doutrina contra heresias, mas os 14 seguintes, ao longo de 1097 anos, ocuparam-se de reorganização eclesial. Em todos, porém, existia um problema urgente que exigia resposta dos padres conciliares. No maior e mais influente, em Trento de 1545 a 1563, fez-se o ajustamento ao humanismo, que criara já uma suposta "reforma" por parte dos luteranos, que realmente fora uma ruptura. Coube ao Concílio a verdadeira, e tão esperada, reforma. Mas em 1962 ninguém esperava nada. Foi surpresa total.

Realmente em meados do século XX a Igreja não defrontava nenhum desafio visível. É verdade que há mais de 200 anos sofria a atitude hostil, muitas vezes violenta, da modernidade. Pode dizer-se até que fora essa dificuldade a motivar o Concílio anterior, Vaticano I, aliás interrompido brutalmente à mão militar em 1870. Mas 92 anos depois a pressão já não era candente. O motor do Concílio foi apenas o ardor pastoral de João XXIII.

Uma vez deflagrado o processo, tornou-se evidente a razão por que outras instituições nunca o fazem: é muito difícil equilibrar a neces- sidade de mudança com o risco de fractura ou distorção. A ânsia que sempre motivou a Igreja nos sucessivos concílios foi o regresso à pureza da sua identidade e missão, mas a multidão histórica de heresias mostra a dificuldade de fazê-lo com verdade. O processo foi longo e doloroso mas 50 anos depois vemos hoje que foi coroado de um êxito espantoso e inesperado. Ainda existem os que recusam a mudança ou condenam a inércia, mas a verdade é que o II Concílio do Vaticano conseguiu uma transformação formal mais profunda do que alguém poderia prever, enquanto reforçava a fidelidade doutrinal e a concórdia interna. Ninguém esperaria mais e melhor dos padres conciliares.

O propósito da reunião era claro: "O que mais importa ao Concílio Ecuménico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz" (João XXIII, discurso na abertura do concílio, V.1). Porquê a doutrina?

Vivemos numa época que pensa poder viver sem colocar as perguntas fundamentais da existência, embriagado num utilitarismo míope. Reduzindo a Caridade a mera solidariedade e sem saber onde radicar a Esperança, torna-se cada vez mais claro que o que falta no mundo é a Fé. Ignorando o significado da vida, tudo o resto perde sentido. "O mundo actual apresenta-se, assim, simultaneamente poderoso e débil, capaz do melhor e do pior, tendo patente diante de si o caminho da liberdade ou da servidão, do progresso ou da regressão, da fraternidade ou do ódio" (Gaudium et Spes, 9).

O mundo, que nunca seria capaz de fazer um concílio, precisa da Fé que este proclamou. Meio século depois Bento XVI, último dos papas do Concílio, propõe um Ano da Fé.

Leis

Acreditamos que nenhuma sociedade, nenhuma nação pode viver se as leis não forem respeitadas. Mas travaremos a batalha precisamente para que as leis sejam respeitáveis.

Abbé Pierre na década de 1950

domingo, 7 de outubro de 2012

Música e iluminuras da nova Doutora da Igreja



Bento XVI declarou hoje que Hildegarda de Bingen é Doutora da Igreja. A quarta, depois de Teresa de Ávila, Teresa de Lisieux e Catarina de Sena.

Bento Domingues: "A religião terá futuro?"


Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje. "É próprio da idolatria absolutizar obras das nossas mãos. (...) A verdade é fruto de uma busca humilde e do acolhimento da divina graça".

Vedeta

Se quereis fazer uma patifaria a um amigo, desejai-lhe que seja uma vedeta...

Abbé Pierre, 1992

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...