domingo, 28 de setembro de 2014

Anselmo Borges: "A ciência e o divino 3"

Texto de Anselmo Borges no DN de ontem.



Como vimos, Einstein afirmava-se como pessoa religiosa, mas acreditando no "Deus de Espinosa que se revela na ordem harmoniosa daquilo que existe e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos actos dos seres humanos."

Há o mistério último da realidade, que se impõe. A pergunta é se se opta pela Natureza impessoal ou pelo Deus transcendente, pessoal e criador.

Compreende-se o fascínio da afirmação da Natureza como força geradora divina de tudo. Esta concepção é bem resumida pelo filósofo Marcel Conche, ao escrever que Deus é inútil, pois a Natureza cria seres que podem ter ideias de todas as coisas, inclusive da própria Natureza. Está a referir-se não à natureza "oposta ao espírito ou à história ou à cultura ou à liberdade", mas à "Natureza omnienglobante, a physis grega, que inclui nela o Homem. Essa é a Causa dos seres pensantes no seu efeito."

Esta concepção confronta-se, porém, com objecções de fundo. Ao divinizar a Natureza, põe em causa a secularização e, consequentemente, a liberdade. Depois, tem dificuldades em explicar como é que a Natureza, que é impessoal, dá origem à pessoa, como é que mecanismos da ordem da terceira pessoa acabam por dar origem a alguém que se vive a si mesmo como eu irredutível na primeira pessoa.

Neste domínio, houve recentemente um debate significativo entre o matemático P. Odifreddi e o Papa emérito Bento XVI. Na sua resposta ao livro de Odifreddi, "Caro Papa, ti scrivo", Bento XVI escreveu uma longa carta, em parte publicada no jornal "La Repubblica" de 24 de Setembro de 2013, na qual refere precisamente este debate. Textualmente: "Com o 19.º capítulo do seu livro, voltamos aos aspectos positivos do seu diálogo com o meu pensamento. Mesmo que a sua interpretação de João 1, 1 esteja muito longe do que o evangelista pretendia dizer, existe, no entanto, uma convergência que é importante. Mas se o senhor quer substituir Deus por "A Natureza", fica a questão: quem ou o que é essa natureza. O senhor não a define em lugar nenhum e, portanto, ela parece ser uma divindade irracional que não explica nada. Mas eu quereria sobretudo fazer notar ainda que, na sua religião da matemática, três temas fundamentais da existência humana não são considerados: a liberdade, o amor e o mal. Espanta-me que o senhor, com uma única referência, liquide a liberdade que, contudo, foi e é o valor fundamental da época moderna. O amor, no seu livro, não aparece, e também não há nenhuma informação sobre o mal. Independentemente do que a neurobiologia diga ou não diga sobre a liberdade, no drama real da nossa história ela está presente como realidade determinante e deve ser levada em consideração. Mas a sua religião matemática não conhece nenhuma informação sobre o mal. Uma religião que ignore essas questões fundamentais permanece vazia."

Evidentemente, quem acredita no Deus transcendente, pessoal e criador sabe que Deus não é pessoa à maneira das pessoas humanas, finitas. Deus também não é um Super-homem. O que se quer dizer é que Deus não é um Isso, uma Coisa. Como escreveu o teólogo Hans Küng, "Deus, que possibilita o devir da pessoa, transcende o conceito do impessoal: não é menos do que pessoa". Não esquecendo que Deus é e permanece o Inabarcável e Indefinível - Gregório de Nazianzo (330-390), doutor da Igreja, pergunta: "Ó Tu, o para lá de tudo, não é tudo o que se pode dizer de Ti?" -, pode dizer-se que é "transpessoal".

sábado, 27 de setembro de 2014

A Alegria do Evangelho, 84

Em quem estaria o Papa a pensar quando escreveu que já pessoas que vivem um

neopelagianismo autorreferencial e prometeico,

que (adapto),

no fundo, só confiam nas suas próprias forças e se sentem superiores aos outros por cumprirem determinadas normas ou por serem irredutivelmente fiéis a um certo estilo católico próprio do passado
?


Temo que, à minha maneira, também eu faça parte do grupo. Mas ri-me em latim dos meus amigos gregórios.

domingo, 21 de setembro de 2014

Anselmo Borges; "A ciência e o divino 2"

Texto de Anselmo Borges no DN de ontem:


É difícil, se não impossível, determinar qual a maior revolução da história da humanidade. Mas estaremos de acordo em conceder que a revolução científica no sentido moderno da palavra,se não foi a maior, está entre as maiores e decisivas.

A ciência exerce fascínio fundamentalmente por dois motivos. Um deve-se ao seu método empírico-matemático, de verificação experimental, que faz que seja verdadeiramente universal, não havendo, portanto, uma ciência para crentes e outra para ateus ou agnósticos. O outro: todos acabam por ser beneficiados pelas suas aplicações técnicas. O que devemos à ciência é incomensurável. Ela satisfaz a curiosidade natural do homem por saber, como bem viu Aristóteles, e também as suas outras necessidades: de saúde, bem-estar, locomoção, comunicação. Hoje, até se fala, mais propriamente, de tecnociência, pois a própria investigação científica precisa de tecnologia. Acrescente-se apenas que é preciso estar consciente dos perigos das tecnologias, como mostram as ameaças ecológicas.

É tal a dívida para com a ciência que se corre mesmo um risco e tentação: pensar que ela detém o monopólio da razão. De facto, não detém, pois a razão é multidimensional e há necessidades humanas a que a ciência não responde: por exemplo, a estética, a ética, a religião. O homem será sempre religioso, porque não deixará de colocar a questão do fundamento e sentido últimos.

Na continuação da semana passada, cito outros físicos eminentes na sua relação com o divino.

Max Planck: "Toda a matéria origina e existe apenas em virtude de uma força que leva a partícula do átomo a vibrar e mantém coeso este sistema solar muito diminuto do átomo. Devemos supor por trás dessa força a existência de uma mente consciente e inteligente."

Heisenberg: "Na história da ciência, desde o famoso julgamento de Galileu, tem sido repetidamente afirmado que a verdade científica não pode ser conciliada com uma interpretação religiosa do mundo. Embora eu esteja hoje convencido de que a verdade científica é inatacável no seu domínio próprio, nunca achei possível descartar simplesmente o conteúdo do pensamento religioso como parte de uma fase ultrapassada na consciência da humanidade, uma parte de que teríamos de desistir agora. Assim, no decurso da minha vida, tenho sido repetidamente obrigado a reflectir sobre a relação entre estas duas áreas do pensamento, uma vez que eu nunca consegui duvidar da realidade daquilo para que as duas apontam."

De Broglie: "Mesmo supondo a mais favorável das expectativas, que o amanhã sai do hoje de acordo com o jogo implacável de um determinismo estrito, a previsão de eventos futuros nas suas imensas densidade e complexidade vai infinitamente além de todos os esforços de que a mente humana é capaz e só seria possível a uma inteligência infinitamente superior à nossa. Portanto, mesmo que uma necessidade inexorável ligasse o futuro ao presente, poder-se-ia dizer que o futuro é um segredo de Deus."

Einstein respondeu à pergunta sobre se era uma pessoa religiosa: "Sim, sou, pode dizer isso. Tente penetrar, com os seus recursos limitados, nos segredos da natureza, e descobrirá que, por detrás de todas as concatenações discerníveis, resta algo de subtil, intangível e inexplicável. A veneração dessa força, que está além de tudo o que podemos compreender, é a minha religião. Nessa medida, sou realmente religioso."

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Guerra preventiva contra Walter Kasper

O sínodo da família vai dar em algo? Eu acho que não. Nada mudará. E a dupla Francisco/Kasper sairá derrotada. Mas Deus queria que eu esteja enganado. Cardeais manifestam-se contra Kasper, como se lê no Vatican Insider.

domingo, 14 de setembro de 2014

É preciso que Jesus...

..."É preciso que Jesus reine", disse São Paulo aos coríntios, disse Pio XI à humanidade e disse hoje D. António Moiteiro à diocese de Aveiro.

(D. Manuel Celemente não esteve no Porto quando D. António Francisco lhe sucedeu; e não esteve agora em Aveiro, a povoação que Joana de Portugal escolheu para viver como "pequena Lisboa". Há ausências que se notam, por muitas justificações que haja.)

Bento Dominguues: "O desterro da teologia"

Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje,

Se a teologia foi “desterrada” da cultura moderna é por ter sido considerada inimiga da razão, da filosofia e de todos os modos de criatividade humana. Nas Igrejas, ao ser instrumentalizada pelo poder eclesiástico, perdeu o carácter de instância da liberdade da fé e das suas expressões mais genuínas. O autoritarismo desvirtuou a sua função na Igreja e tornou-a incapaz de dialogar com a sociedade, de a fecundar e ser fecundada por ela.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Papa casa (...) divorciado

A notícia do "Público" diz no título:

Papa casa 20 casais no domingo, entre eles uma mãe solteira e um divorciado


Ainda não a li, mas não pode ser o que um católico pensa ao ler o título. O "divorciado" é divorciado de uma união civil, a qual, para a Igreja, não é mais do que uma coisa em forma de nada. Se nunca foi casado pela Igreja, não é divorciado. No fundo, o jornalista valoriza mais o casamento civil do que a Igreja católica.

(cinco minutos depois)

A coisa não é bem assim. Pode ser divorciado pelo civil, mas o que aconteceu foi que viu o seu casamento católico declarado nulo. É outra coisa. Para a Igreja (e o nosso inefável direito matrimonial), Guido nunca foi casado.
No dia 14 de Setembro, o Papa vai casar 20 casais, entre eles Gabriella, uma mãe solteira, e Guido, cujo anterior casamento foi anulado, ambos com cerca de 50 anos, avança o jornal italiano La Repubblica
Notícia aqui.

25 mulheres no sínodo sobre a família. Tantas?

O sínodo sobre a família tem 25 mulheres (e 228 homens). Para quê tantas mulheres?

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

E a Salamanca dos capitalistas?

Viriato Soromenho-Marques escreveu há dias, no DN, sobre Escola de Salamanca, "Salamanca: a escola do universo". Vale a pena ler. Pena não falar do outro grande contributo da Escola de Salamanca, com derivações em Coimbra e Évora: a teorização sobre o mercado livre, sobre o valor das coisas, que não valem consoante o trabalho que dão (a grande ilusão do comunismo, de uma maneira geral), mas consoante o valor que quem as quer lhes dá. Sim, os salmanticenses são os primeiros teóricos (ou talvez segundos, se tivermos em conta certos medievais que eles, no fundo, seguiam) do capitalismo. O texto de Soromenho-Marques:


Quando nos aproximamos de Salamanca, a cidade banhada pelo Tormes, o seu casco histórico, Património Mundial desde 1988, brilha como uma seara de trigo debaixo do sol. Há muito para ver. Mas o coração espiritual da cidade palpita entre o Convento Dominicano de Santo Estêvão (que está unido à igreja plateresca consagrada ao mesmo santo) e a universidade. Foi aqui que no dealbar do século XVI nasceu a famosa Escola de Salamanca, que foi a semente das modernas teorias do direito internacional (na altura "direito das gentes"), em profunda ligação com uma doutrina igualitária e universalista dos direitos humanos. Perto do convento ergue-se a estátua do fundador da escola, Francisco de Vitoria (1483-1546), o académico brilhante que nas suas Lições de 1539, dedicadas aos "Índios" e ao "Direito de Guerra", destruiu a boa consciência dos conquistadores, mostrando que o império que Espanha construía no Novo Mundo era baseado em títulos ilegítimos. Fundado na violência e não no direito natural. Os navegadores portugueses e espanhóis haviam oferecido à humanidade a verdadeira dimensão geográfica do planeta, colocando a América no mapa, e cartografando a África meridional profunda e os mares austrais. Em Salamanca nasceu a Escola Ibérica da Paz. Através de mestres espanhóis e portugueses, na sua maioria intelectuais dominicanos, jesuítas e franciscanos, foi levada a cabo a tarefa de integrar um mundo desmesurado e alteroso, debaixo de uma ordem moral, jurídica e política que permitisse a paz, em vez da guerra, a justiça em vez da opressão. Ao contrário do racismo para com os povos não europeus, que tutelaria a Conferência de Berlim (1885), em Évora, Coimbra ou Valladolid propunha-se o respeito e a igualdade entre todos os seres humanos. Em Salamanca começou a esperança de um dia podermos ser cidadãos do mundo. De pleno direito.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Chavez nosso que estás no céu

Os chavistas rezam a Hugo Chávez. Não podiam tornar mais evidente aquilo que há muito é dito, que certas versões do comunismo tendem para a religião.

Chávez nosso que estás no céu
na terra, no mar, em nós e nos delegados,
santificado seja o teu nome,
venha a nós o teu legado, para levá-lo ao povos daqui e de lá.
Dai-nos hoje a tua luz
para que nos guie todos os dias.
E não nos deixes cair na tentação do capitalismo,
mas livra-nos da maldade, da oligarquia
como do delito do contrabando
porque de nós é a pátria, a paz e a vida
pelos séculos dos séculos amém. Viva Chávez.

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...