quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O perigo de um Vaticano III nos próximos tempos

Alberto Melloni até gostava de ver o Vaticano III, mas receia os resultados

Há dias, um texto no "Corriere della Sera" falava de um III Concílio do Vaticano (aqui). Eu penso que é mais do que necessário. Ou um Jerusalém II. Não chega aprofundar o Vaticano II, quando muitos olham ainda mais para Trento. É irrealista pensar que o Vaticano III acontecerá dentro de uma década, mas as questões do sacerdócio/celibato, mulheres/ordenação, poder/democracia, que são decisivas para o modo de estar da Igreja no mundo, só se resolvem com um concílio.

Alberto Melloni, no diário italiano, lembrava a tomada de posição do Cardeal Martini. Ao seu lado – é a nota portuguesa – surgiu nesse sínodo de 1999 D. António Marcelino, que agora é bispo emérito de Aveiro. Dizia o arcebispo de Milão, diocese que, como afirma o articulista, é o lugar mais importante para se chegar a Papa (por isso, quando há meses foi nomeado para Milão Angelo Scola, que estava em Veneza, muitos disseram: Olhem para ele. Pode suceder a Bento XVI), que havia uma série de questões a discutir. Foi há 12 anos. E ainda estão por discutir.
Os pontos que Martini indicava como agenda de uma futura assembleia de bispos de escala universal – um eufemismo que não queria fazer sombra ao papa, ao qual compete a convocação do Concílio – haviam sido no máximo encostados pelo magistério de Karol Wojtyla: a "carência dos ministros ordenados", a "posição da mulher", a participação "dos leigos em algumas responsabilidades ministeriais", "a sexualidade, a disciplina do matrimónio, a práxis penitencial", a revitalização da "esperança ecuménica".
De então para cá, o que aconteceu?
Certamente, a julgar pela mediocridade do debate teológico destes anos – muitas vezes reduzido a banalidades adulatórias, vícios personalistas e acuradas eliminações dos verdadeiros problemas das Igrejas –, se poderia dizer que o Concílio de uma Igreja, mesmo que vasta como a católica, correria o risco de se empobrecer em traços óbvios. E o sonho de um Concílio "das Igrejas" – que no Conselho Mundial de Igrejas, de Genebra, se esgotou em um precioso trabalho de diplomacia infra-eclesiástica – parece muito longe para quem conhece a quantidade de descortesias que as Igrejas sabem trocar entre si.
Se o Vaticano II, apesar de inesperado, foi o culminar de um trabalho das bases (o movimento patrístico, o movimento bíblico, o movimento litúrgico, o movimento ecuménico e a Acção Católica, para falar dos movimentos mais importantes), só podemos temer pela realização de um Vaticano III nos próximos anos. A ter em consideração o pensamento teológico dominante, que se resume a um Papa que pensa e a uma legião de comentadores do Papa, seria mais um Trento II. Valha-nos o Vaticano II, que foi mais ruptura do que continuidade na linha oficial, embora agora se ouçam vozes a dizer foi mais continuidade. Dizer isso é uma forma de desvalorizar o Vaticano II.

O papânico


Na "Visão" de hoje. Diz A.M.C., insatisfeito por não ter surgido uma polemicazinha à volta do filme,  que em "Temos Papa" há uma denúncia do anacronismo do Vaticano. "O absurdo, o ridículo, o bizarro, o nonsense está lá - é matéria bruta. Não precisa de ser mais lapidada".

A Igreja chamar-lhe-á tradição. Mas, de facto, muitos dos rituais, aquelas vestes, são anacrónicos. Ou pelo menos incompreendidos para a maioria, que é outra forma de anacronismo. Como o cura vestido de preto e rendas que dizia para o rapaz de ganga e piercings que aquilo não eram modos adequados de andar.

André, o protóclito

Hoje é dia de Santo André, o protóclito, isto é, o primeiro a ser chamado por Jesus Cristo. Por sinal, o seu nome grego, no meio de judeus, significa "homem". Este santo é especialmente venerado pelos ortodoxos, que, para este dia, compuseram este comentário (excertos):



Alegra-te, André, tu que anuncias por todo o mundo a glória de Deus com a eloquência do céu (Sl 18,2); tu, que foste o primeiro a responder ao chamamento de Cristo e te tornaste Seu amigo íntimo; tu, que imitando a Sua bondade, reflectes a Sua luz por sobre aqueles que habitam nas trevas.
(…)
Com a linha da pregação e o anzol da fé, deixaste a pesca do peixe pela pesca dos homens e afastaste do abismo do erro todos os povos; a tua voz ressoa por toda a terra. Vem instruir e iluminar todos aqueles que celebram a tua benigna memória, André, o primeiro a ser chamado (protóclito) entre os discípulos.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Cardeal Ravasi: "O problema é a distribuição do mal"


Há dias, Anselmo Borges dizia aqui que “a nossa sociedade, afundada no ter, no poder, no cálculo, na eficácia, perante a morte, não sabe o que fazer”. “Uma sociedade poderosíssima nos meios, mas sem verdade e finalidades humanas, faz dela tabu: disso não se fala. Mas, se o pensamento sadio da morte reentrasse, faríamos a tempo o que temos a fazer e saberíamos finalmente distinguir entre o que realmente vale e as ilusões do que não vale e que é causa última da nossa crise”, acrescentou o padre e professor da Universidade de Coimbra.

A entrevista que Andrea Tornielli (“La Stampa”) fez ao cardeal Gianfranco Ravasi, no contexto do congresso da Associação de Médicos Católicos Italianos (existe associação similiar em Portugal? Não parece), ajuda a reflectir sobre estes dois temas. "Oculta-se a morte de todos os modos, ou talvez busca-se a possibilidade de viver até 120 ou 130 anos, continuando a afastar o encontro. Ao contrário, devemos ter a coragem de olhar para a doença e a morte de frente como componentes da existência". Copiei a entrevista daqui.
Como o senhor responde à questão sobre o porquê da doença?
A escritora norte-americana Susan Sontag, em 1978, contou a sua experiência de sofrer de câncer em um livro intitulado "A doença como metáfora". Definição interessante: a doença nunca é apenas uma questão biológica. Quando estamos doentes, precisamos ser confortados, olhamos para a vida de um modo diferente, as prioridades mudam e, se a doença se agrava, muda a escala dos nossos valores. E mesmo quem não crê pode chegar a perguntar a Deus o porquê do que lhe acontece. No entanto, a primeira resposta é simples, lógica e racional. 
Qual é a "racionalidade" inscrita na doença?
A dor é um componente da finitude das criaturas. Um dado que, na nossa sociedade orgulhosa e tecnológica, que alguém definiu de "pós-mortal", não se quer aceitar. Oculta-se a morte de todos os modos, ou talvez busca-se a possibilidade de viver até 120 ou 130 anos, continuando a afastar o encontro. Ao contrário, devemos ter a coragem de olhar para a doença e a morte de frente como componentes da existência. 
Uma capacidade que parece se perder no Ocidente, mas que ainda está presente em outras culturas...
É verdade. Quando eu estava no Iraque para fazer estudos arqueológicos, um dia, um dos meus colaboradores locais me convidou para a sua casa, para que eu pudesse ver seu pai que estava morrendo. Eu fui e vi aquele velho deitado no meio do centro da única grande sala da casa, com as mulheres que cozinhavam de um lado e as crianças que brincavam do outro e, de vez em quando, se aproximavam do avô para tocar em sua mão. 
A consciência da finitude não basta para explicar a dor inocente, a doença das crianças, o destino que persegue aqueles que já sofreram.
O problema é a distribuição do mal. Continua sendo dramática a página do "A peste", de Albert Camus, onde, perante a morte de uma criança, afirma-se: Eu não posso acreditar em um Deus que permite isso. É o excesso do mal. Aqui, começa a fronteira em que as religiões se atestam com as suas respostas, que não esgotam o mistério. No Livro de Jó, no auge do desespero humano, Deus fala e varre todas as explicações e as tentativas de racionalizar. A solução só pode ser metarracional, global e transcendente, e se encontra no encontro com Deus. 
E a resposta do cardeal Ravasi?
É a cristã, totalmente diferente das outras religiões. Porque, no cristianismo, é Deus mesmo, em Cristo, que não só se curva sobre nós para nos explicar o significado do sofrimento, não só em alguns casos cura graças à sua onipotência com os milagres, mas também entra na nossa humanidade e prova toda a dor do homem. A dor física, moral, o medo, o silêncio do Pai. E, no fim, até mesmo a morte, que é a carteira de identidade do homem, não de Deus. Ele se torna um cadáver, sem nunca deixar de ser Deus, sofre todo o sofrimento humano e nele depõe um gérmen de transfiguração, que é a ressurreição, fecundando a nossa natureza mortal. 
Porém, isso não anula a dor nem a pergunta. Mesmo para aqueles que creem.
Jesus Cristo, o Filho de Deus, não veio para apagar a dor, tanto é que ele a viveu. Mas ele a assumiu sobre si e a transfigurou com o gérmen do infinito, que é um prelúdio da eternidade para nós. O cristianismo é uma religião fortemente carnal e próxima do drama de quem sofre – ao contrário de muitas outras religiões –, porque, para os cristãos, Deus se tornou um homem e morreu na cruz. Os cristãos, como atesta o nascimento dos hospitais, sempre teve essa atenção pelos enfermos, porque acreditam em um Deus que foi sofredor, que conheceu a morte e ressuscitou. 
O seu dicastério organizou recentemente um congresso dedicado às células-tronco adultas, via alternativa ao uso das células embrionárias. Igreja e ciência podem se reencontrar?
A utilização das células embrionárias está obtendo resultados mínimos comparados aos obtidos com as células-tronco adultas: cancela-se assim o lugar comum que nos atribui a responsabilidade de não querer aliviar os sofrimentos de tantos doentes. Justamente as células-tronco adultas, que não têm nenhuma contraindicação de tipo ético, estão trazendo resultados encorajados no campo oncológico e contra o Parkinson e o Alzheimer.

A salvação cabe num livro. Ou numa colecção



Estive a folhear e a ler aqui e a li a bíblia humanista de A. C. Grayling, “O Livro dos Livros”. Não encontrei os 10 mandamentos que há pouco referi. Copiei-os daqui sem referir a fonte – o que não será lá muito ético.

Esta curiosa bíblia, de capas cartonadas, é composta de 14 livros, do Génesis a O Bem. São eles: Génesis, Sabedoria, Parábolas, Concórdia, Lamentações, Consolações, Sábios, Canções, Histórias, Provérbios, O Legislador, Actos, Epístolas, O Bem.

Gostei especialmente das Parábolas, que são histórias e mitos, e dos Actos, que são episódios mais ou menos históricos. Cenas instrutivas. Só é pena não indicar as fontes. Seriam excelentes livros de cultura geral. Os Provérbios são como os bíblicos (que também nunca referem Deus): curiosos, iluminadores. Por vezes fazem sorrir. Cito de cor, porque decorei para outras ocasiões: “Quem morre junta-se à maioria”. “Quem procura falhas não encontra outra coisa”.

O livro dos Actos segue-se a O Legislador. Não verifiquei se o Legislador é o redentor, correspondendo, nesse caso, aos Evangelhos. Mas tudo indica que sim.

No fundo, este livro quer uma salvação, intramundana, histórica, para viver nos nossos 80 ou 90 anos, sem Deus. O objectivo tem algo de gnóstico. A sabedoria redime, pensa Grayling. E cabe num livro, numa série de livros, vá lá, numa enciclopédia ou numa biblioteca. Não. A sabedoria não redime, dizem os cristãos, nem cabe em nada deste mundo. Só o amor redime e esse é pessoa, sendo também sabedoria.

Como é possível ter uma ideia da Bíblia cristã lendo o primeiro e o último versículos (não digo o que dizem; se não sabe, abra a Bíblia e leia), revelo o que dizem o primeiro e último versículos desta bíblia:

Génesis 1,1: No jardim ergue-se uma árvore. Na Primavera, floresce; no Outono, frutifica. 1,2: O seu fruto é a sabedoria, ensinando o bom jardineiro a compreender o mundo.

O Bem 9,10: Ajudemo-nos, então, mutuamente; construamos a cidade juntos, 9,11: Onde possa existir um futuro melhor, e onde a verdadeira promessa da humanidade possa, por fim, ser cumprida.

Resta dizer que gostei de ler o livro no sofá da livraria e agora estou na habitual fase de quarentena (duas a três semanas) a ver se resisto ou cedo ao investimento de mais de 20 euros.

A. C. Grayling escreveu uma bíblia secular. Será que salva?

Entrevista no "i" de 26 de Novembro. Sobre um livro que aguardo com alguma curiosidade.



O livro inclui os "10 Mandamentos Ateus". Em que se diferem dos mandamentos judeo-cristãos? O bem em nome do bem. Eu prefiro Deus, que além de bem é também o/a belo/a e a verdade.

1. Ame bem
2. Busque o bem em todas as coisas
3. Não faça mal aos outros
4. Pense por si mesmo
5. Assuma responsabilidade
6. Respeite a natureza
7. Faça o seu melhor
8. Seja informado
9. Seja bondoso
10. Seja corajoso - ao menos tente sinceramente

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

"Jésus de Tahrir"


Foi a capa do “Libé” de 22 de Novembro. No sábado, Gérard Lefort escreveu que a fotografia lembra uma cena bíblica muito presente no Ocidente europeu desde que a “Igreja católica autorizou e depois encorajou a representação de temas bíblicos”. “O que se vê, pois, no transportado da Praça Tahrir é «simplesmente» Jesus de Nazaré depois da sua descida da cruz”.

O crítico de cinema do jornal francês fala ainda da carga erótica da imagem, da beleza “planante” deste “Jésus de Tahrir”. Ler aqui.

Agradeço a H. V. que me alertou para capa do jornal e o pequeno ensaio e informou que "o rapaz da foto sobreviveu". 

Em cima, uma "Descida da Cruz" de pintores de Antuérpia, do séc. XVI. Pertence à Casa de Bragança. Em baixo, uma "Pietá" de Paula Rego.

Moretti: A Igreja ao serviço do poder e do filme



O filme de Nanni Moretti não é sobre o Vaticano ou o Papa. É sobre o poder. Diz Moretti, na entrevista ao Ípsilon de sexta-feira passada:  “É a história de um homem velho que percebe que para representar todos os outros homens tem que se anular a si próprio como homem. E encontra a força, porque penso que é uma força e não uma fraqueza, de interrogar os seus limites”.

Em certo sentido, o filme é antimaquiavélico, porque na hora de assumir o poder, o protagonista questiona-se e, no fundo, questiona o próprio poder, não para o conquistar, mas para o repudiar. Ele e também os príncipes da Igreja, os cardeais, que durante o conclave “são como miúdos com medo de serem chamados à professora”.

Por outro lado, ainda que um filme passado no Vaticano e tendo como protagonista o Papa dificilmente não seja visto como falando de coisas da Igreja, acontece que o pensamento de fundo sobre o poder não é um pensamento eclesial, quer no sentido evangélico de poder como serviço, quer no sentido mais eclesiástico-carreirista de poder como honra.

(Atenção que escrevo a partir do que li em vários momentos e não a partir do filme, que ainda não vi, nem sei se vou ver nos próximos tempos. Tudo o que está à volta do filme já faz parte do filme e prescindo da ida ao cinema para produzir estes comentários, que, aliás, só fazem sentido antes de ir ao cinema.)

Um Papa, mas também um bispo ou um padre, aceita o poder como serviço imposto por Deus. Há toda uma longa tradição bíblica em relação ao poder: recusa própria versus imposição do além. Profetas e líderes que são gagos (Moisés), que não sabem falar, que andam aguardar ovelhas ou a apanhar figos de sicómoros (David e Amós), que na fuga são apanhados por monstros marinhos (Jonas), que têm um problema afectivo (Jeremias), além, é claro, do Papa que é pescador e tem sotaque do norte (Pedro). Em todos acaba por prevalecer a imposição de Deus e a aceitação do poder como “humilde servo da vinha”.

Michel Picolli pode ser um bom papa, mas o seu papel não tem a tradição de poder dos eclesiásticos. Moretti fez um filme mais sobre o ser humano e o poder. “Para mim, é sobretudo a história de um homem que se sente inadequado. Se a tivesse filmado com um político, ou com um treinador de futebol, teria sido uma história mais pequena”. Disse ele. Ou seja, a Igreja ao serviço do poder do filme.

Paquistão quer proibir "Jesus Cristo" nas mensagens sms

Notícia do "Página 1" (jornal digital da RR) de 22 de Novembro. O Nazareno é sempre um sinal de contradição. No dia em que não houver perseguidos em seu nome, o mundo ou é o céu ou está para acabar.

Liderar é servir pessoas

Encaro o meu trabalho como um processo de crescimento contínuo. (...) A função de um líder é um treino constante da atitude cristã verdadeiramente decisiva: honrar Deus e colocarmo-nos a nós próprios ao seu serviço e das pessoas.


Anselm Grun, "A vida e o trabalho. Um desafio espiritual" (ed. Paulinas), pág. 160-173

domingo, 27 de novembro de 2011

Temos Moretti!


Bento Domingues: A Igreja faz política



Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje. "(...) A Igreja, enquanto comunidade das cristãs e cristãos, é política e muito política, como um todo, na diversidade das suas opções partidárias. Jesus não pediu aos seus discípulos para formarem uma sociedade paralela. Pelo contrário, rezou a Deus para que não os tirasse do mundo, mas os guardasse do mal".

O que é que Deus nos dirá se chegarmos ao Paraíso sem os outros?

Dizia Charles Péguy, no tempo em que ainda se falava de salvação:


É necessário salvar-se conjuntamente, precisamos de chegar juntos ao Paraíso, precisamos apresentarmo-nos juntos no Paraíso. É necessário doar-se aos outros. O que é que Deus nos dirá se chegarmos ao Paraíso sem os outros?

sábado, 26 de novembro de 2011

Revista de azeite

Tenho um motivo para não gostar de oliveiras. Os seus pólenes irritam-me. São dos que mais alergias causam. Mas há outros quatros motivos que contrabalançam e superam este: um geográfico, por vivermos, como dizia penso que Braudel, na terra entre a latitude mais a norte onde já há oliveiras e a mais a sul onde ainda há oliveiras, ou seja, o espaço mediterrânico; um meramente familiar, por ter parte da família ligada à indústria do azeite; outro religioso, já que a unção com azeite é essencial ao judeocristianismo; e um gráfico, esta revista, a "az-azait", publicada pela da Casa do Azeite.


Uma maravilha para os olhos. Faz pensar na “Egoísta”, mas só o cheiro é igual. Não há nada em comum nas fichas técnicas. Nem a gráfica. E esta não tem buracos nas páginas.


Esta capa é uma das mais bonitas dos últimos tempos. Não é branca. Tem folhas de oliveira e azeitonas desenhadas, não como se fosse a óleo, mas a azeite. Vê-se também com os dedos.
  

Nas páginas 06 e 07 aparece esta oração. Aparece como “manifesto”. Mas é mais um salmo. Profano, mas salmo.

Anselmo Borges: Crises e oportunidades (2)


Thomas Kuhn

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (retirado daqui):

Como escrevi aqui, no sábado passado, a crise faz parte da realidade. A evolução, desde o Big Bang, há 13 700 milhões de anos, foi deparando com crises e até becos sem saída, mas encontrou oportunidades, foi oportunista: a prova é que estamos cá.

Há transformações que implicam a mudança de paradigma - paradigma é, segundo Th. Kuhn, "an entire constellation of beliefs, values, techniques, and so on, shared by the members of a given community" (uma constelação total de crenças, valores, técnicas, etc., partilhados pelos membros de uma determinada comunidade). Ora, os paradigmas entram em crise. Por exemplo, o paradigma moderno entrou em crise e já se fala em macroparadigma pós-moderno: já não eurocêntrico, pois o mundo tornou-se multipolar; já não androcêntrico, pois tem de haver parceria entre homens e mulheres; a economia de mercado tem de ter sentido social e ecológico; impõe-se o diálogo inter-cultural e inter-religioso...

A crise de que se fala é a crise económico-financeira. Mas, mais uma vez, indo até ao étimo - crise e crítica, do grego "krinein", discernir, explicar, julgar, resolver um litígio, explicar, decidir, e oportunidade, de "opportunitas", ocasião favorável, "opportune", a tempo, "opportunus", que impele para o porto -, não se vê que as crises, vinculadas à crítica, podem ser também oportunidades?

Não provém a presente crise da lógica do capitalismo neoliberal desregulado e da ganância devoradora? Então, no quadro de problemas globais, não precisamos de uma "global Governance", instâncias políticas globais? De uma refundação das Nações Unidas? De um imposto sobre as transacções financeiras? Da regulação dos mercados, essas entidades anónimas destruidoras da vida de milhões e milhões de pessoas? E do fim dos paraísos fiscais? E de ética, melhor, de homens e mulheres éticos na política e na economia?

Aí está a oportunidade para pensar. Não é tempo de reflectir, decidir, procurar o verdadeiro porto? Afinal, valemos sobretudo pelo ter ou pelo ser? Não é o tempo favorável para se exaltar com a existência? E retomar as alegrias simples da beleza de uma simples folha de erva que abana ao vento e de um pôr do Sol a dançar no mar?

De qualquer modo, é preciso perceber que o trabalho é um bem escasso, a distribuir equitativamente, e que, num mundo limitado, não é possível um progresso ilimitado. Precisamos de outro modo de viver, no qual a volúpia do consumismo seja substituída pela intensidade da vida, moderada e no seu melhor.

Está aí a crise da Igreja. Mas não implica ela a oportunidade para a conversão? Não tem a Igreja de recentrar-se na mensagem de Jesus: o amor a Deus e o amor solidário e eficaz ao próximo?

Quem pode pôr em dúvida a dramática crise de Deus? Parece confirmar-se o anúncio do louco, que Nietzsche põe a anunciar a morte de Deus. Qual Deus? Não tinha de morrer o deus que envenena e impede a vida e a alegria dos homens e das mulheres, humilhando-os e tolhendo-lhes a existência? Mas o Deus de Jesus é o Deus do amor, que abre horizontes de futuro e de humanização: o seu interesse é a vida expandida e realizada dos homens e das mulheres. Afinal, como disse Heidegger, na sua última entrevista, "só um Deus nos pode salvar". Não anda a humanidade perdida no sem-sentido? Então, não está hoje Deus presente pela sua ausência, porque ele é o sentido de todos os sentidos? Não precisamos de encontrar o sentido último?

A morte é a crise final. Ora, não são as nossas sociedades tecnocientíficas, urbanas, as primeiras, na história da humanidade, a fazer da morte tabu, o último tabu? A crise toda concentra-se e manifesta-se na crise da morte. A nossa sociedade, afundada no ter, no poder, no cálculo, na eficácia, perante a morte, não sabe o que fazer. Uma sociedade poderosíssima nos meios, mas sem verdade e finalidades humanas, faz dela tabu: disso não se fala. Mas, se o pensamento sadio da morte reentrasse, faríamos a tempo o que temos a fazer e saberíamos finalmente distinguir entre o que realmente vale e as ilusões do que não vale e que é causa última da nossa crise.

O que é a Igreja

Um antigo cântico ambrosiano (ou seja, da liturgia segundo os ritos da Igreja de Milão) dizia que "a Igreja é a mãe de todos os viventes, / cada vez mais gloriosa por filhos. / (...) É a cidade colocada no cimo dos montes, / esplêndida aos olhos de todos, / onde para sempre vive o seu Fundador".


Não é uma descrição. É um desejo.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Um ano sem homilias



O cardeal Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, biblista reconhecido e inventor do Pátio dos Gentios, fez há dias (3 de Novembro) umas afirmações que têm tido grandes ecos em alguns meios eclesiais e blogues. Vejamos o que ele disse. Excertos.
A palavra está sofrendo. Também para a comunidade eclesiástica, a Igreja e sua comunicação. A palavra é traída e humilhada. 
Com frequência, os sermões são tão incolores, insípidos, inodoros, que são irrelevantes. 
E necessário recuperar a palavra que ‘ofende’, fere, inquieta, julga. 
Palavra saudável, autêntica, que deixa marcas. 
(Citando Voltaire e a Montesquieu) A eloquência sacra é como a espada de Carlos Magno, longa e plana: aquilo que não pode dar em profundidade, o dá em comprimento. 
O sacerdote não deve aceitar que a palavra seja humilhada. Está claro que a capacidade de falar é, em parte, dom natural, mas também existe a formação, o aspecto pedagógico, os instrumentos técnicos com os quais se dotar. E isto é algo que hoje falta nos seminários.
E agora os ecos e reacções.

Marco Tosatti, no “Vatican Insider”, fez três sugestões ao Papa:
A primeira ideia é um tanto radical. Proclamar um período (você pode decidir sua duração) de jejum de homilias. Isto é: estabelecer que, durante um ano nas igrejas (com exceção, obviamente, do Papa e dos bispos) não se façam homilias. Não me peça explicações nem razões. Não desejo ofender os sentimentos (bons) de ninguém. Peça explicações, caso desejar, a Giulio Andreotti, que – se não me falha a memória – procura(va) ir nas missas matutinas, exatamente para não ouvir homilias. Eu creio que, se a homilia fosse substituída por um breve momento de recolhimento e de meditação das palavras ouvidas nas Leituras, poderia ser benéfico para todos.
Segunda sugestão. Isto, obviamente, com um tom de brincadeira. Obrigar os sacerdotes a fazerem um curso de jornalismo e, em particular, de jornalismo de agência ou televisivo. Mais de uma vez nos disseram, durante a nossa presença já de longa data em redações, que em 50 linhas se pode descrever a história de uma vida. É possível que seja impossível escrever, no mesmo espaço, uma reflexão sobre o Evangelho do dia? 
Terceira possibilidade (também tem um tom de brincadeira, mas...): solicitar à Congregação correspondente a redação de um documento em que estabeleça taxativamente que o tempo dedicado à homilia não deve ultrapassar os cinco minutos. Um santo, ou um padre da Igreja, disse certa vez: “nos primeiros cinco minutos fala Deus, nos outros cinco fala o homem, nos restantes mais de cinco minutos fala o diabo”. Tendo a acreditar que, na realidade, depois dos primeiros cinco minutos em muitos púlpitos continua falando o homem; e, lamentavelmente, nem todos estão à Sua altura, ao escrever e pronunciar os discursos. E a experiência nos torna palpável – sem culpa de ninguém, os sacerdotes estão animados pelos melhores sentimentos, e estão cheios de santo entusiasmo – que uma homilia que se alonga, se perde, divaga, toca muitos pontos diversos, o que, muitas vezes, não ajuda a manter a concentração e a tensão espiritual criadas pelas Leituras. Pelo contrário. Naturalmente, estariam isentos o Papa, os cardeais, os patriarcas e os arcebispos metropolitanos. Sobre os bispos e os abades, pode-se discutir...
Ivan Rioufol, do “Le Figaro”, escreveu no seu blogue:
Essa admissão de conformismo eclesiástico é, obviamente, muito tardia com relação aos avanços da descristianização e do cansaço de inúmeros católicos (dos quais faço parte) frente a um clero pusilânime e politicamente correto.
O padre Christophe Delaigue, da diocese de Grenoble, defendeu-se:
Você [Ravasi] me critica, ok, mas o que você tem tentado fazer concretamente? Com o que você poderia contribuir hoje, em sua posição, assim como eu tento contribuir com a minha fé, a minha juventude e as minhas ideias, às vezes balbuciando, é verdade, mas com tudo o que eu sou?
David Lerouge, da diocese de  Coutances, escreveu:
Se eu fizesse comunicação, eu pegaria um microfone HF, me colocaria no meio do presbitério e falaria ao coração, a você, sim, a você na segunda fila, que quer ser convertido por Deus, eu estaria inflamado, eu seria cômico, eu seria delicado, eu seria... odiado no fim de três números desse tipo.
Porque a missa não é um número de magia, é o espaço do encontro com Cristo. A homilia pode lhe levar a esse encontro, mas não sozinha.
Tudo isto foi retirado dos seguintes textos:
Proponho um ano sem homilias
A pregação na era digital

Quando os humanos são os selvagens. Pior do que as touradas



Pensava que isto já só acontecia no ppt que de vez em quando circula de mail em mail.


Massacre. É um verdadeiro massacre. Todos os anos, desde o século IX, mantém-se esta nas ilhas Faroé, na Dinamarca. O objectivo é assinalar a passagem dos jovens para a idade adulta. Eles denominam a selvajaria de "The grindadrap", ou seja, massacrar centenas de golfinhos... com facões e paus. Não é, evidentemente, uma tarefa fácil , pois é preciso conseguir quebrar a coluna vertebral dos animais, para paralisá-los e assim poder cortar as suas gargantas. Uma crueldade sem igual em que mais de 1500 animais são mortos. Foto: Andrija Ilic/Reuters. Texto e imagem copiados daqui.

Revista "Visão": Quando dar é receber



A "Visão" de ontem é uma excelente publicação sobre voluntariado. É uma revista que habitualmente não leio, mas esta vou guardar. Cerca de 100 páginas, quase toda a edição, sobre sobre voluntariado, solidariedade, economia social, mecenato social, histórias inspiradoras.

O chefe como pano de fundo

Para muitas pessoas, o facto de Ele ser glorificado no meu trabalho parece uma coisa demasiadamente piedosa. No entanto, é possível apercebermo-nos se alguém, no seu trabalho, se glorifica a si próprio ou a Deus. Quando ando à volta de de mim próprio, o trabalho tem algo de egoísta em si mesmo. Pressente-se nele que está tudo impregnado de ego, que nos auto-elogiamos em toda a parte e que nos gabamos de que chefiamos bem. Aquele que glorifica Deus na sua função de chefia coloca-se mais atrás: aparece em pano de fundo. Deixa-se acontecer. E a sua função de chefia torna-se mais fácil, permeável, óbvia e altruísta.


Anselm Grun, "A vida e o trabalho. Um desafio espiritual" (ed. Paulinas), pág. 173

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O Papa que fugiu



No DN de hoje, porque "Temos Papa" está a partir de hoje nas salas de cinema. Sobre o filme que este blogue segue desde 2009 (ver aqui) e o realizador: Moretti. Amanhã, o Ípsilon (Público) dedica a capa a este filme e realizador.

Por uma maior participação das mulheres. Entrevista com Alois Glück


Alois Glück

“Precisamos urgentemente de uma maior participação das mulheres, porque elas trazem um carisma próprio e uma riqueza de experiência em determinados âmbitos da vida que faltam aos homens”.

Para a assembleia dos leigos católicos, estão na agenda do dia importantes questões no processo de diálogo dentro da Igreja, mas também sobre a crise europeia. Entrevistamos, a esse respeito, o presidente da ZDK (Comitê Central dos Católicos Alemães), Alois Glück. A reportagem é de Christoph Schmidt, publicada no sítio Domradio.de, 17-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto (aqui).

No início do diálogo na Igreja, o senhor disse uma vez que, se dentro de alguns anos não forem visíveis desenvolvimentos concretos, a resignação e a frustração vai se difundir, juntamente com um massivo abandono da Igreja por parte dos fiéis. Esse temor chegou aos bispos? 
Há sinais encorajadores. O início do diálogo neste verão em Mannheim, do qual diversos bispos participaram, surpreendeu muitas pessoas positivamente, por causa da sua abertura. Estou otimista de que poderemos alcançar mudanças significativas na Igreja. Mas não imagino que haverá decisões concretas nos próximos dois, três anos. Atualmente, não se trata tanto de grandes inovações. O direito canônico ainda oferece, por exemplo, muitas margens de movimento até agora não plenamente exploradas para uma direção paroquial feita por equipes que envolvam tendencialmente leigos e padres. 
Um ponto importante da reunião de vocês em Bonn será a deliberação sobre um documento sobre o lugar da mulher na Igreja. Até onde chegam as demandas? 
O esboço do documento requer claramente o acesso das mulheres ao diaconato, o primeiro dos três ministérios ordenados. Precisamos urgentemente de uma maior participação das mulheres, porque elas trazem um carisma próprio e uma riqueza de experiência em determinados âmbitos da vida que faltam aos homens. Nos grupos representados no ZDK, existe um amplo consenso em favor disso. Corresponde à convicção cristã do sacerdócio comum de homens e mulheres, que todos possuem pelo batismo e a crisma. 
Não está em discussão a ordenação das mulheres? 
Pode ocorrer que cheguem intervenções nessa direção, mas, no documento, isso não está previsto. Acredito que, atualmente, a demanda do ministério ordenado para as mulheres pode ter um efeito polarizador e pode impedir reivindicações mais realistas. Entre os bispos, a rejeição do presbiterato feminino é unânime, e, além disso, seriam abordados problemas mais drásticos referentes à Igreja universal. O mesmo pode ser dito sobre a ordenação de homens casados. Não leva a nada experimentar isso só entre nós, na Igreja alemã local. 
Pelo que se sabe, com relação ao diaconato das mulheres, alguns bispos têm uma posição mais aberta. Como o senhor avalia a composição do episcopado alemão? 
Uma subdivisão entre bispos conservadores e bispos progressistas me parece muito esquemática. Dependendo do assunto, a composição dos grupos é diferente. O compromisso com o diálogo também é muito diferente nas várias dioceses, o que depende também do correspondente compromisso dos leigos. Isso é normal. De todos os modos, na minha opinião, é crescente a aceitação por parte dos bispos de diálogos abertos, sem temas tabus.

O padre Borba e outros fenómenos

Vem no "i" de hoje. É mais um daqueles textos que reflectem imagens da Igreja e do Papa que, para quem está dentro, não correspondem de modo nenhum à realidade. Mas, para quem está fora ou anda algures por aí, são o que prevalece. Deve sempre fazer pensar.

Por outro lado, o texto oferece um novo membro ao clero português: o Padre Borba. Pelo nome deve ser alentejano, ainda que a peça toda pareça fruto de um qualquer fenómeno do Entroncamento.


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

23 de Novembro de 1221. Nasce Afonso X, rei de Leão e Castela, poeta e sábio


Imagem num dos códices das Cantigas de Santa Maria

Afonso X nasceu no dia 23 de Novembro de 1221, em Toledo, e morreu no dia 4 de Abril de 1284, em Sevilha. Grande poeta da língua galaico-portuguesa, a mais usada na lírica ibérica no séc. XII, deixou, entre outras obras, as “Cantigas de Santa Maria”, um conjunto de 420 poemas dedicados a Nossa Senhora, compostos por ele ou recolhidos de outros.

Afonso X, avô de D. Dinis, criou em Toledo uma escola de tradutores que juntava cristãos, judeus e muçulmanos.

Muito foi noss’amigo Gabriel

(Festa da Virgem 6)

De loor de Santa Maria.

Muito foi noss’ amigo
Gabriel, quando disse:
«Maria, Deus é tigo.»

Muito foi noss’ amigo u diss’: «Ave Maria»
aa Virgen beita, e que Deus prenderia
en ela nossa carne con que pois britaria
o inferno antigo.
Muito foi noss’ amigo...

E nunca nos podia ja mayor amizade
mostrar que quand’ adusse mandado, con verdade,
que Deus ome seria pola grand’ omildade
que ouv’ a Virgen sigo.
Muito foi noss’ amigo...

Quen viu nunc’ amizade que esta semellasse
en dizer tal mandado per que Deus s’ensserrasse
eno corpo da Virgen e que nos amparasse
do mortal emigo?
Muito foi noss’ amigo...

E esto non fezera Deus, sse ante non visse
a bondade da Virgen, que per ela comprisse
quanto nos prometera, segund’ el ante disse;
gran verdade vos digo.
Muito foi noss’ amigo...

E Gabriel por esto, o angeo, devemos
amar e onrrar muito, ca per que nos salvemos
este troux’ o mandado, e por que sol non demos
pelo demo un figo.
Muito foi noss’ amigo...

Joseph Ratzinger espiado pela Stasi

Ministério para a Segurança do Estado

Joseph Ratzinger foi espiado por um padre que trabalhava para a Stasi, a polícia secreta da RDA. Isto passou-se em 1963-66, quando Ratzinger ensinava na Universidade de Münster e era então o “teólogo das grandes promessas”.

O espião tinha o pseudónimo de Erich Neu, mas era na realidade o padre Joseph Frindt, que morreu aos 81 anos. Durante a sua actividade, enviou 95 relatórios para Berlim Oriental.

A notícia surgiu no "Der Spiegel" e foi retomada "Vatican Insider".

Deus vem a Público - livro de entrevistas de António Marujo



Informação da editora Pedra Angular

Chegou já às livrarias (…) o primeiro volume do livro «Deus vem a Público — Entrevistas sobre a transcendência», de António Marujo (…).

A forma de dizer o nome de Deus foi sempre plural. A pluralidade de olhares é uma marca destas entrevistas, que reflectem diferentes palavras e modos diversos de olhar o mistério insondável a que se chama Deus. E que tanto podem provir de um cristão católico ou protestante, de uma muçulmana ou de um judeu, de um budista ou um não-crente. Nelas se debatem cortinas de dogmas que por vezes tolhem a possibilidade de um debate sério e mais rico sobre muitas das questões que a Deus e à humanidade dizem respeito. Ou revela-se o espantoso empenhamento radical de mulheres e homens na construção de uma «parábola de comunhão» para a casa comum da família humana. Ou ousa-se propor novos horizontes aos modos de olhar. As entrevistas foram inicialmente publicadas no Público (em alguns casos, apenas em versões reduzidas) que, desde a fundação, «deu uma atenção moderna e esclarecida ao noticiário religioso», como um dia escreveu Eduardo Prado Coelho. O facto de estes textos serem agora reunidos muito fica a dever a essa atitude fundadora e à concretização que António Marujo lhe imprimiu.

António Marujo é jornalista do “Público” desde 1989, tendo-se dedicado no jornal às questões religiosas. Venceu por duas vezes (1995 e 2006) o prémio de jornalismo religioso na imprensa não-confessional, instituído pela Fundação Templeton e Conferência das Igrejas Europeias. É autor ou colaborador de vários livros.

Neste volume publicam-se entrevistas feitas a: Abbé Pierre, Aga Khan, Albert Friedlander, Alessandro Zanottelli, Aloísio Lorscheider, Andrea Riccardi, Anne Nasimiyu, Antônio Moser, Asma Barlas, Azim Nanji, Bronisław Geremek, Carlos Gil Arbiol, Carlos Padrón, Dalai Lama, Erri de Luca, Eugen Drewermann, Feisal Abdul Rauf, Gianfranco Ravasi, GianMaria Polidoro, Gianni Vattimo, Godfried Danneels, Hans Küng, Irmão Aloïs de Taizé, Irmão Roger de Taizé, Jacques Arnould, Jacques Gaillot, Jaime Gonçalves, Jean-Marie Lustiger, Jean-Noël Aletti, Jean-Yves Calvez, Joan Chittister, Johann Baptist Metz, José Andrés-Gallego, José António Pagola, Josep M. Soler, Joseph Comblin, Jordi Savall, Juan José Tamayo, Juan Masiá, Jürgen Moltmann, Lavinia Byrne, Leonardo Boff, Mark Raper, Marko Ivan Rupnik, Michel Quesnel, Nicoletta Crosti, Paul Poupard, Pedro Meca, Philip Gröning, Raimon Panikkar, Rémi Brague, Renato Kizito Sesana, René Samuel Sirat, Rino Fisichella, Sergio Bastianel, Timothy Radcliffe.


Será, sem dúvida, um livro excepcional, com um título que é um achado, na sua simplicidade, pela revelação da finalidade e referência ao jornal que primeiro publicou as entrevistas.

Sendo leitor do “Público” desde o primeiro número, devo ter pelo menos passado os olhos por todas estas entrevistas. Algumas, muitas, recortei para guardar. Mas onde estava eu quando saíram as de Zanottelli, Geremek, Arnould? Pessoas de quem recentemente li algumas coisas (a admiração de Tabucchi por Zanottelli; “A piedade e a forca” de Geremek e os seus diálogos com G. Duby; o “Requiem por Darwin” de Jacques Arnould, que foi presença assídua neste blogue). Um livro para ler como grande novidade. Que é.

Despertar vida nas pessoas

Para mim, servir significa o seguinte: despertar vida nas pessoas, servir a vida que possa florescer nelas. Trata-se de uma missão altruísta. Mas é também um serviço pelo qual me devo sentir constantemente grato.



Anselm Grun, “A vida e o trabalho. Um desafio espiritual” (Paulinas), pág. 171

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Felicidade pensativa


Saiu em Itália um novo estudo sobre os santos de Assis, Francisco e Clara. Escreveu-o a historiadora Chiara Frugoni. Li aqui um texto de Mariapia Veladiano, no “La Reppublica”, e anotei:
Talvez seja verdade que o desfecho da história de Clara, a clausura estrita decretada em 1263 por Urbano IV, se assemelhe muito a um fracasso humano. Mas nem sempre os resultados diferentes dos esperados são fracassos. Quem acredita pode reconhecer muito bem, na vida escondida das clarissas, a pobreza subterrânea de uma beatitude igualmente profética. 
No entanto, é difícil negar que a batalha pela pobreza tenha sido um verdadeiro fracasso, dado o escândalo que ainda hoje a riqueza da Igreja representa aos olhos do mundo. Porém, aqui também a fé salva da amargura, embora na determinação da verdade a ser afirmada. Eis o que Santa Clara escreveu para Inês da Boêmia, à frente do mosteiro de Praga, a propósito da sua luta comum contra as autoridades religiosas pela defensa do privilégio de ser pobre: "Em rápida corrida, com passo ligeiro e pé firme, de modo que os teus passos não levantem poeira, avança segura, feliz e confiante no caminho de uma felicidade pensativa".
Felicidade pensativa, pois.

Sakozy vai dar-lhe uma medalha

A diocese de Beja tem feito um trabalho  notável na salvaguarda do património histórico religioso, que, em muitos sítios, é para aí 90 por cento do património artístico, se não for todo. Deve-se muito a este homem. Recebe uma medalha amanhã, na embaixada de França em Lisboa.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

21 de Novembro de 1694. Nasce Voltaire



François-Marie Arouet, mais conhecido por Voltaire, nasceu no dia 21 de Novembro de 1694 e morreu no dia 30 de Maio de 1778. Dedicou grande parte da sua obra e vida a combater a Igreja católica. Escrevia frequentemente, mas suas mais de 20 mil cartas, ao terminar, “écrasez l’infâme”, isto é, “esmaguem a infâmia”. Embora maioritariamente anticatólica, a expressão era, por vezes, anticalvinista e antimonárquica.

Voltaire foi educado num colégio de Jesuíta, pelo que, parafraseando Umberto Eco, tinha a escola toda para ser anticatólico. Curiosamente, a neta de uma sua sobrinha viria a ser a mãe de Pierre de Teilhard de Chardin, um dos maiores jesuítas do séc. XX e grande paleo-antropólogo.

A imagem da Igreja e a questão da verdade


Timothy Dolan, arcebispo de Nova Iorque desde 2009, está preocupado com a queda da participação na missa dominical nos Estados Unidos. Num artigo da revista católica britânica “The Tablet”, afirma-se a este propósito (tive de ir ver o que significa “pernósticos” – algo como “pretensiosos”):
O arcebispo Dolan é demasiado cônscio da medida na qual a imagem atual da Igreja não consegue mais corresponder a estes ideais. Uma Igreja que repetidamente faliu na proteção de seus membros mais vulneráveis contra os abusos sexuais da parte dos próprios padres, ou que às vezes parece apresentar-se como um severo mestre vitoriano na ação de admoestar uma classe de maus alunos, ou ainda como um lobby que se apressa em proteger os próprios privilégios, antes do que um organismo a serviço do bem comum, não parece, pois, ser muito semelhante à face de Cristo. Num discurso iluminante, o arcebispo Dolan recordou à Conferência Episcopal dos Estados Unidos, da qual é presidente, que a Igreja não deve ser considerada um “carroção embaraçoso, um clube de pernósticos fora de moda, agravado por um aparato burocrático de cunho medieval, capaz de lançar sobre a humanidade uma série de regras incríveis baseadas em pura fantasia, e mesmo um dos tantos movimentos carregados de litigiosidade e opiniões contrastantes”.
Este diagnóstico já seria suficiente para pensar e repensar a Igreja. Ou pensarmo-nos como católicos, que é o mesmo. Segundo o mesmo artigo, que pode ser lido aqui, também os bispos de Inglaterra e Gales estão preocupados e dizem que é preciso “vermos a nós mesmos como nos vêem os outros”. Estão mesmo dispostos a ouvirem o que os outros têm a dizer? E o articulista acrescenta:
Para dizê-lo brevemente, quando a gente olha um bispo católico, o representante mais em vista da Igreja local, vê nele Cristo batido até o sangue, ridicularizado, amaldiçoado, profanado, ou o vê como o chefe de «um sistema de organização de atividades que necessitam de uma oportuna renovação», para citar o arcebispo Dolan?
Pergunta dolorosa esta. Qualquer cristão que lhe responda põe-se em causa. O arcebispo nova-iorquino afirmou também: “Talvez, irmãos, o nosso desafio pastoral mais urgente seja hoje o de reafirmar a verdade, para atualizar o brilho, a credibilidade e a beleza da Igreja «sempre antiga e sempre nova», e inovarmos sua face que é a de Jesus, assim como Ele é a face de Deus”. Este desafio é mais exequível e não menos exigente. Há algumas perguntas sobre a verdade a que a Igreja não responde. A sua credibilidade passa por aí, mas se alguém levanta estas perguntas é tido em certos contextos como insurrecto ou querendo romper a comunhão (“comunhão”, nesses contextos, é um eufemismo para obediência):

- A verdade dos impedimentos para ordenar mulheres (que não sei onde estão).
- A verdade sobre a disciplina do celibato, que é incoerente (eu diria falsa enquanto não for opção individual), por exemplo, ao admitir padres ex-anglicanos e católicos do rito oriental casados.
- A verdade da pobreza proclamada mas não vivida.
- A verdade do perdão por enquanto impossível para os recasados.
-  A verdade do poder à maneira evangélica versus a do mundo (e mesmo este, se democrático, por vezes é mais evangélico do que o poder eclesial).
- A verdade da moral sexual.
- A verdade da prática sacramental mais alicerçada em tradições do que na liberdade individual.

Enquanto não se responder a isto, como poderemos desejar ser credíveis aos olhos dos outros? Nem aos nossos.

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...